Historicamente, as mulheres são marginalizadas pela sociedade, sendo tratadas como classe inferior aos homens. Desde os tempos antigos, a figura feminina era vista como a dona do lar, a pessoa responsável pela criação de filhos e principalmente, submissa ao seu marido.
Nos últimos meses, essa figura feminina se tornou protagonista de uma difícil manchete nacional. Desde que as situações dos garimpos ilegais ganharam destaque no país, outras vertentes derivadas desta mesma ação foram mostradas à sociedade.
De problema ambiental até comunidades estruturadas com bordéis e casas de prostituição, os garimpeiros montaram pequenas cidades que funcionam em torno da atividade ilegal, sem direitos trabalhistas ou fiscalização federal. Atividades desse tipo acontecem todos os dias no país, que mesmo com denúncias, continuam desafiando o poder público.
Na última semana, uma notícia em jornais chocou a população sobre a maneira de como esses locais funcionam. Sem o acompanhamento da polícia, em uma rifa foi oferecida uma mulher como um dos prêmios que seriam sorteados. Sim, você leu isso mesmo, uma mulher. Não se sabe se a pessoa em questão está de acordo, mas a partir do momento em que um indivíduo é oferecido como prêmio de um fundo que arrecada dinheiro de modo ilícito, a seguinte pergunta vem a nossa mente: Até que ponto a mulher é vista como objeto em nossa sociedade?
A situação fica ainda mais complicada quando direcionamos nosso olhar para as mulheres e crianças indígenas. A exploração de territórios indígenas acontece desde a época da colonização e ganhou força nos últimos anos, pondo em risco a vida de indígenas no país. Os conflitos entre índios e garimpeiros já ceifaram a vida de milhares de nativos, o que de certa forma, já comprometeu o futuro das tribos que vivem na região.
Segundo um relatório divulgado pela Hutukara Associação Yanomami (Hay) neste ano, os garimpeiros oferecem comida em troca exigem sexo com meninas e mulheres ianomâmi, por conta da escassez de alimento. Não é apenas essa ação que interfere na vida do povo indígena, mas também o uso de drogas e bebidas que muitas vezes resultam em estupros coletivos e desaparecimentos de mulheres da região.
Outra notícia que resume a situação de mulheres e crianças indígenas foi a denúncia realizada por Júnior Hekurari Yanomami, onde o representante divulgou o desaparecimento de duas crianças da comunidade Aracaçá, em Roraima. Uma criança de 12 anos morreu estuprada e outra criança de 3 anos desapareceu após se afogar no rio. Após o relato, a comunidade foi queimada e nada foi encontrado pelos representantes de Funai (Fundação Nacional do Índio) e da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena).
Após varredura pelo local, os representantes dos órgãos foram avisados de que nenhum indígena tinha permissão para contar os abusos, pois foram comprados por 0,5 gramas de ouro. Dois desaparecimentos foram calados por conta de uma pequena quantidade de ouro, em uma comunidade que provavelmente passa por dificuldade para se alimentar, sem nenhuma ajuda federal.
A falta de assistência aos povos indígenas dificulta ainda mais o pleno funcionamento de entidades que deveriam prestar apoio aos que necessitam de uma atenção especial. Na última semana, o assunto foi o centro do debate realizado na Câmara dos Deputados que contou com políticos e especialistas no assunto.
O procurador da República Alisson Marugal pontuou a dificuldade do poder público de vistoriar essa situação, dando ênfase nos impactos sociais e ambientais que a atividade do garimpo traz à terra indígena. ‘’ Essas agressões são resultado de uma falta de política de proteção territorial mais efetiva. É importante que os órgãos protejam essas mulheres e impeçam que os territórios tradicionais sejam invadidos por milhares de garimpeiros ocasionando uma tragédia humanitária’’, disse Marugal.
Assim como os diversos expositores que participaram dessa discussão, de fato, precisamos de medidas rápidas que façam efeito e segurem a expansão da atividade do garimpo. A etnia corre risco de extinção se não houver mudanças ágeis da parte do governo federal. É preciso que o poder público tome medidas que viabilizem a fiscalização dos povos mais isolados, assim como diminuir a margem que possibilita a atividade ilegal no país.
André Zogahib – *É professor Dr. e reitor da Universidade Estadual do Amazonas