Há séculos temos perdido muitas oportunidades de ouro por estar na contramão do desenvolvimento sustentável.
Em “A galinha dos ovos de ouro” Esopo narra que um casal adquiriu uma galinha que botou um ovo de ouro. Motivados pela ganância, ao acreditar que dentro dela haveria uma grande quantidade de ouro, o casal resolveu matá-la. Após abrir a galinha, eles descobriram que em nada ela era diferente das outras. Para complicar, o ovo de ouro foi mal gasto e os dois continuaram na mesma condição, com o agravante de que passaram o resto da vida se acusando. Essa fábula nos ensina que: 1) quem tudo quer, tudo perde; 2) má gestão dos recursos arruína a si mesmo e futuras gerações; 3) o egoísta só pensa nele, não sabe compartilhar, por isso sofre de solidão, de desconfiança e de falência emocional.
Pode-se imaginar que recursos preciosos no Brasil são como a galinha de ovos de ouro, enquanto o casal representa o responsável pelos recursos, mas que visando o lucro e/ou poder a qualquer custo, não sabe administrar, gerando desperdícios, destruição, piora do meio ambiente e da qualidade de vida da população. A lista dos recursos preciosos é enorme, mas focarei em nossa floresta Amazônica:
1) 40 % da Floresta Tropical da Amazônia pode virar Savana
Em 2002 fui voluntário do 36o cruzeiro do Peace Boat <https://pbcruise.com/pb_03>, organização japonesa sem fins lucrativos que organiza viagens educacionais ao redor do mundo para sensibilizar o público internacional e construir conexões entre organizações que trabalham em prol da paz, dos direitos humanos, da proteção ambiental e do desenvolvimento sustentável. Na viagem, Quênia (Mombaça) foi emblemático após interação com as comunidades e ida ao Safari. Foi impactante ver o alto nível de pobreza na região, consequência de centenas de anos de ganância, corrupção, exploração, caçadas ilegais, contrabando, mineração e destruição das florestas tropicais. Era espantoso ver extensões imensas de terras arrasadas, onde as gramíneas e árvores esparsas da savana substituíram árvores das florestas tropicais derrubadas naquele território. Naquele momento, imaginei, com arrepios, o futuro sombrio da Amazônia se não revertermos o ritmo acelerado de destruição.
Hoje esse sentimento fica mais latente: a) com as “Boiadas” do governo Bolsonaro na área ambiental que estão deliberadamente beneficiando grileiros, milicianos, madeireiros, latifundiários, caçadores e mineradores ilegais; b) aumento recorde de queimadas e desflorestamento na Amazônica e Pantanal <https://bit.ly/3w4laQW; https://bit.ly/3uScY65>, ressaltando que o desmate aumenta o gasto com a saúde <https://bit.ly/3w8phvt> e potencializa surgimento de epidemias e pandemias <https://bit.ly/3fmCPwF>; c) 40% da Amazônia corre o risco de se transformar savana, conforme: c1) pesquisa publicada na Revista Nature Communications <https://bit.ly/2SQl697; https://bit.ly/2S2T5Lm>; c2) Relatório do PNUD <https://bit.ly/3hwTMXQ>.
2) Há milênios nossas florestas são habitáveis
Pesquisadores do INPA (2015) publicaram no The Royal Society B <https://bit.ly/3uSmZAm> sobre a Amazônia antes de Cabral, ressaltando que: a) há autores que estimam que o solo conhecido como terra preta teria coberto uma área de 154.063 Km2 da floresta (3,2% da sua área total); b) mais de 80 espécies de plantas selvagens foram domesticadas pelos nativos da Amazônia; c) o processo da progressiva domesticação da mata teria ganhado impulso a partir de 4000 anos atrás; d) os povos indígenas na Amazônia contavam com uma população mínima de 8 milhões em 1942, quando Colombo chegou na América; e) as descobertas contrastam fortemente com relatos de uma floresta vazia ainda presente no imaginário popular, militar ou até mesmo acadêmico.
Além disso, é vergonhoso lembrar que mesmo com a riqueza natural existente no Amazonas, incluindo o alto faturamento do PIM, cerca de 47,4% do povo viva abaixo da linha da pobreza <https://glo.bo/3wo8sgj>, mostrando que nosso “modelo” precisa ser repensado. Entra governante e sai governante, até hoje não temos um plano eficaz de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, sintonizado com a agenda 2030 da ONU, bem como com as boas práticas ambientais, que traga melhoria da qualidade de vida para boa parcela da população.
3) Sítios arqueológicos poderiam gerar benefícios
Há sítios arqueológicos espalhados pela Amazônia que trariam ganhos para comunidades locais, a partir de pesquisas e turismo. No entanto, a pobreza, ignorância, expansão da soja, grilagem, a invasão ilegal das terras indígenas, as queimadas e desflorestamento têm contribuído para a destruição desses sítios e para o comércio ilegal de peças raríssimas (pedras pré-históricas, estatuetas, machadinhas indígenas, urnas funerárias) vendidas aqui a preço irrisório, mas que valem muito no exterior: R$ 12000, R$ 37000 ou até 300 mil Euros.
4) Floresta em pé vale mais do que destruída
4.1)Estudos <https://bit.ly/3hviMP3; https://bit.ly/3yfJPUu> apontam a floresta é mais valiosa para a humanidade em pé do que destruída;
4.2) A floresta Amazônica absorve, gera e leva umidade e chuva para o restante do país e América do Sul <https://bit.ly/33LU459>, ajudando lavouras e represas. Segundo o INPA uma árvore com uma copa de 10m de diâmetro pode bombear para a atmosfera mais de 300 litros de água/dia em forma de vapor, uma árvore com o dobro de diâmetro pode evotranspirar até 1000 litros/dia. Se há cerca de 600 bilhões de árvores na Amazônia, então sua importância para o clima global fica evidente.
4.3) agroflorestas geram mais lucro que soja e gado na Amazônia <https://bit.ly/3uUAdfQ>. Segundo Edegar Rosa, Diretor do WWF-Brasil, o desmatamento está atrelado à ilegalidade, que usa a pecuária para fortalecer a posse da terra, cuja maioria tem baixa produtividade, enquanto há caminhos para o desenvolvimento da Amazônia que conciliam muito mais o contexto regional, com a inclusão das pessoas e a preservação da floresta;
4.4) cacau, açaí e castanha são mais rentáveis que a pecuária e a soja, valendo à pena conhecer o pós-doutor Carlos Afonso Nobre <https://bit.ly/3tSQwIL> e o projeto Amazônia 4.0 <http://www.amazoniaquatropontozero.org.br/> o qual mantém a floresta em pé, qualifica os agricultores, utiliza modernas ferramentas da 4a revolução industrial em laboratórios criativos com biofábricas para diversas cadeias produtivas tais como do açaí, castanha, buriti, babaçu, etc.
4.5) a safra anual de uma ucuubeira (em extinção) preservada gera uma renda 3 vezes maior para as comunidades do que sua madeira (míseros R$ 20 por árvore abatida). Neste sentido, a Natura tem desenvolvido empreendimentos (Projeto Carbono Circular, Programa Amazônia) que mantêm a floresta em pé (incluindo a ucuubeira), gerando emprego e renda para seus habitantes, sendo eleita pela Brand Finance a marca cosmética mais valiosa do mundo <https://bit.ly/3hz8RrQ>.
O desafio é imenso já que quem deveria liderar e proteger, diariamente está matando muitas galinhas de ovos de ouro, esmagadas por Boiadas <https://glo.bo/3w89gpe; https://bit.ly/3ygh4Hr>, tratoraços e orçamentos secretos <https://bit.ly/3bxyPrM; https://bit.ly/3eRoOYE> que alimentam a ganância de criminosos ambientais <https://bit.ly/3y64wlY> e de colarinho branco <https://bit.ly/3w8CUL9>, incluindo empresários aliados que estão lucrando muito com a venda de tratores e máquinas agrícolas superfaturadas, enquanto milhares de insetos, animais, aves e árvores jazem carbonizados <https://bit.ly/3bvlZul; https://glo.bo/2SMnsWu; https://bit.ly/3olYzg8; https://bit.ly/3ygfMw5; https://bit.ly/3bwghID>.
Não defendo a tese de deixar a floresta intocável. Precisamos identificar, reconhecer e disseminar as boas práticas de desenvolvimento sustentável adotadas por empresários visionários do setor primário. Paralelo a isso, precisamos elaborar urgentemente um plano de desenvolvimento sustentável de longo prazo que aperfeiçoe o modelo do PIM e tenha políticas públicas para atrair e incentivar maciçamente empresas como a Natura ou Projetos como o Amazonas 4.0.
Finalmente, para valorizarmos as galinhas de ouro que ainda restam, resgato uma reflexão profunda de um dos melhores poetas da humanidade: “As árvores são poemas que a terra escreve para o céu. Nós a derrubamos e as transformamos em papel para registrar todo o nosso vazio” (Khalil Gibran).