14 de setembro de 2024

Os efeitos perversos da corrupção

Os efeitos perversos da corrupção

Com o advento da democratização nas últimas décadas, a sociedade brasileira passou por profundas transformações de todas as ordens. Saímos definitivamente de uma ordem autoritária e transitamos para a democracia constitucional com um Estado democrático de direito.

E o que isso significa?

Significa dizer que em sociedades democráticas, a lei ou o ordenamento institucional-legal são universais e não discriminam  ninguém, respeitando o princípio máximo da isonomia (universalismo de procedimentos) – isto é, da equidade política entre os cidadãos.

De sorte que a democracia é a possibilidade de criarmos uma ordem social compatível com os princípios da liberdade, igualdade, transparência e responsabilização pública (accountability), visto que a democracia é uma instituição política passível de desvios ou formas de degeneração de seus valores essenciais.

O desvio mais comum nas sociedades democráticas modernas é o fenômeno da corrupção. Corrupção vem do latim corruptione. O Dicionário Aurélio registrou o termo como “devassidão”, “depravação”, “perversão” da coisa pública (res publica).

Por corrupção, entende-se um tipo prática informal que procura apropria-se de algo lícito por meios ilícitos, o que se dá recorrentemente na relação incestuosa entre a esfera pública e a esfera privada, em outras palavras, entre aqueles que detêm o poder político e aqueles quem detêm o dinheiro.

Dessa forma, por exemplo, um funcionário de uma empresa privada pode corromper um funcionário público, a fim de obter determinada informação ou benefício. Ou quando um motorista dá o dinheiro do “guaraná” para um policial que multa a sua esposa. Ou ainda quando um funcionário público corrompe outro funcionário público pretendendo tirar vantagens de uma situação adversa. Estes exemplos são comuns, corriqueiros e rotineiros na sociedade brasileira.

Ainda na mesma lógica, a corrupção invade a política e esta invasão, em geral, tem um efeito devastador para a democracia. Quando a corrupção invade a democracia cria-se automaticamente uma maré de pessimismo e baixa estima: os cidadãos deixam de acreditar nos políticos; políticos deixam de confiar em políticos e nos cidadãos, o que propicia uma situação de desconfiança generalizada e sem limites muito próximos de um estado de selvageria onde o homem torna-se o lobo do próprio homem na melhor expressão do Estado de Natureza de Thomas Hobbes.

O resultado de tudo é que a corrupção torna-se sistêmica e fragiliza qualquer democracia possível, das antigas até as modernas.

Em estados de corrupção de corrupção generalizada, a democracia é precária e alternativas são necessárias. O aperfeiçoamento das instituições é uma via aberta para o progresso da sociedade democrática. Em outras palavras, pode-se dizer que a capacidade de punição aos corruptos e corruptores seja universalmente eficaz.

A corrupção no Brasil sempre foi de um sucesso monumental. Não tenho dados estatísticos, e duvido muito que alguém consiga mensurar tal fenômeno em uma sequência histórica relativamente confiável. Mas uma coisa é certa: hoje os mecanismos institucionais, policiais e investigativos são infinitamente mais precisos do que aqueles do passado.

O fato de não se descobrir nenhum tipo de corrupção, em qualquer nível governo, per si, não significa que aquele governo não pratique nenhum ato ilícito. Pelo contrário! A corrupção é subterrânea. Dificilmente deixa lastro, provas materiais e nomes daqueles que verdadeiramente praticaram o ato.

Mas apesar de tudo, as lições são muito positivas. O aparente apocalipse, na verdade, traz à tona toda a relação criminosa que permeia há tempos a administração pública brasileira, bem como a perversa relação entre funcionários públicos e empresários.

Sem instituições verdadeiramente autônomas, como tudo isso seria descoberto?

O amadurecimento institucional tem resultados práticos e aqueles que cometem crimes são punidos pela Justiça. O Brasil tem evoluído bastante nos seus mecanismos de fiscalização e investigação de combate ao crime organizado dentro e fora do Estado.

A eclosão da crise de corrupção nos últimos anos é resultado direto desse longo e intricado processo que se consolida. Toda a crise de corrupção que se seguiu desde as crises dos Correios, Mensalão, Petrolão, Covidão, e tutti quanti, são sinais positivos para um país que está cada vez mais preocupado com a moralização de sua imagem e de suas instituições.

Em suma, podemos constatar que democracia e corrupção, embora coabitem o mesmo universo, são lógicas excludentes. E que a insistência na prática deve ser exemplarmente punida no rigor da lei. Em tempos modernos, a corrupção é um custo muito alto para a preservação dos valores democráticos.

*Breno Rodrigo de Messias Leite é cientista político.

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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