Quando fomos atacados e encurralados pela pandemia nutrimos a esperança de que as pessoas sairiam disso melhores e humanizadas, corrigindo defeitos e valorizando ainda mais a vida, o convívio, o amor e o respeito pelos semelhantes. Não foi bem assim.
O que aconteceu em Porto Alegre revolta e preocupa. E não foi numa taberna qualquer. Foi numa das maiores redes de supermercados do mundo.
O assassinato repercutiu mundialmente. Título do Washington Post destaca “Morte de homem negro após espancamento brutal por seguranças enfurece o Brasil”, mostrando protestos ocorridos pelo país e relembrando os atos que tomaram os EUA após a morte de George Floyd.
Na França, o Le Parisien destaca que o Brasil se indigna e que é um excesso de emoção e de raiva que se expressa atualmente, lembrando que o grupo Carrefour é de origem francesa. “Discriminação a pessoas negras é generalizada no país sul-americano”, diz a reportagem do “Der Spiegel”, da Alemanha.
Mesmo com tudo isso, o vice-presidente afirmou que não existe racismo no Brasil. Para o Portal Uol e segundo dados da Pnad, negros (definidos pelo IBGE como pretos e pardos) têm maiores dificuldades de acesso à moradia: 7 em cada 10 que moram em casas com inadequação são pretos ou pardos. A desigualdade também é sentida na vulnerabilidade: mulheres negras têm 64% mais riscos de serem assassinadas quando comparadas com mulheres brancas.
Um estudo divulgado pela PUC/RS em parceria com a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina mostra que trabalhadores negros recebem salário 17% menor que o dos brancos que têm a mesma origem social, em média.
Em agosto de 2020 foi divulgado o Atlas da Violência no Brasil, produzido pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostrando que cada vez mais os negros são as principais vitimas de assassinatos no país. Entre 2008 e 2018 as taxas de homicídio aumentaram 11,5 para os negros, saltando de 37,8 mortes para cada 100 mil habitantes pretos ou pardos, enquanto que houve redução de 12,9 para os não negros. Em 2018 75,7% das vítimas eram negras.
José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares afirma que é esse racismo estrutural que precisamos compreender e que se manifesta em cima de boas intenções, de voluntarismo e da negação também. As notas de repúdio sempre dizem “não tenho nada a ver com isso, quem tem a ver com isso é o sujeito que está lá na ponta e por isso foi demitido. Desculpa e até a próxima”.
E o que acontece a seguir? O Carrefour e a empresa terceirizada Vector Segurança, seguem o tradicional protocolo após tragédias diversas: notas de condolências, demissão dos responsáveis, os advogados entram com rapidez em ação pra salvar a pele dos patrões, as autoridades farão cara de paisagem e os envolvidos vão torcer para que o caso caia no esquecimento, pois parte do povo é especialista em esquecer.
Tal como aconteceu na Boate Kiss (com 242 mortos e 636 feridos), em Mariana e Brumadinho, na tragédia da Chapecoense, incêndio no CT do Flamengo, o voo da Tam em 2007, o da Gol em 2006, os deslizamentos na Região Serrana do Rio de Janeiro, citando só alguns exemplos.
Poucos dias após percebi várias postagens mostrando coisas contra o homem assassinado, talvez pra justificar o injustificável, visto que no Brasil a desqualificação da vítima pode “amenizar as coisas”. Também lamentável.
Combater o racismo é dever moral de todos nós. Deixar como está pode ser um aval para que outras cenas de ódio e de mortes se repitam, independente da cor da pele.
“#vidasnegrasimportam”. Todas as vidas importam!