Antes de abordarmos o assunto, vamos lembrar que o setor público é um corpo só; não existe essa coisa de executivo, judiciário, legislativo, ministério público, tribunal de contas etc. O poder público é uma grande ameba de proporções continentais pairando sobre nossas cabeças – lembra até aqueles filmes de invasão alienígena. Tal qual um parasita, o setor público é movido pelo instinto predatório: ele sempre quer mais e mais e mais e mais dinheiro. Os funcionários públicos de salários astronômicos ficam o tempo todo reclamando e brigando por aumentos remuneratórios e também lutando por mais penduricalhos, tipo licenças remuneradas, prêmios, promoções automáticas, auxílios isso, auxílios aquilo etc.
E sendo um corpo só, o poder público se protege. Observamos claramente que qualquer ação judicial contra agentes públicos demora muito mais que os outros processos legais, visto que, além de se arrastarem numa indefinição eterna, as punições são sempre simbólicas, como, por exemplo, aposentadoria compulsória de juízes que cometem crimes hediondos. Esse traço peculiar gera uma força titânica que sempre é usada contra o setor privado. Por outro lado, o setor privado é totalmente fragmentado e desorganizado, onde, ao invés de se unir em bloco contra o sistema opressor, seus membros travam lutas individuais. Também, frequentemente, aderem ao setor público para usufruir de esquemas delituosos.
O que está por trás do atual debate envolvendo reforma tributária dos tributos indiretos? A resposta obvia, ululante e notória é: aumento de arrecadação. A máquina voraz está sedenta e babando pelos cantos da boca. Ela quer mais; ela está agitada e obsessiva. A única forma de acalmar a fera é despejar rios de dinheiro no poço sem fundo do erário. Entram em cena os tradicionais arautos do rei com suas revisões dogmáticas e novas visões do paraíso. Dessa vez, a nova doutrina diz que serviço paga pouco imposto e que somente ricos compram serviços. Por isso, é preciso, não dobrar ou triplicar a carga, mas decuplica-la. Dessa vez, o poder público não economizou no cinismo e na cara-de-pau. Os especialistas de araque repetem seus mantras incansavelmente até conseguir levar a carga para além da estratosfera.
E por que agora? Pois é. Novas tecnologias e novos modelos de negócios vêm impulsionando a arrecadação sobre serviços, despertando assim a cobiça dos governos estaduais e federais que querem se apropriar desse novo filão tributário. Os municípios perceberam a manobra e assim tentam preservar suas fontes arrecadatórias; os prefeitos rejeitam frontalmente a inclusão do ISS no novo tributo sobre consumo. Eles estão cientes do golpe armado para lhes tirar o pouco que arrecadam.
Todo esforço de convergência tributária envidado por batalhões de autoridades tem apenas um único propósito, que é trazer os serviços para dentro da nova alíquota unificada do consumo. Ninguém quer simplificar nada nem organizar nada. O foco único é aumento de imposto. E tem mais: A tal da alíquota proposta de 25% é prosopopeia para acalentar bovino, já que a intenção é logo a frente dobrar esse percentual. Quem lembra da CPMF? (começou com 0,25% e terminou com 0,38%). Além da majoração percentual, seremos solapados por uma avalanche de contencioso fiscal, caso algumas propostas malucas sejam aprovadas.
As duas propostas (PEC 45 e 110) pretendem transformar o ISS em tributo não cumulativo, significando assim que estará sujeito à apuração, tal qual o ICMS. E como não se tem de onde tirar crédito, as empresas ingressarão em massa no Judiciário para contestar as infinitas ilegalidades que hoje são obvias e previsíveis. Basta olhar para Pis/Cofins, que até o ano de 2002 era um tributo simples de administrar e recolher. As Leis 10637 e 10833 fabricaram um monstro burocrático pela instituição da não cumulatividade. Por consequência, no ano de 2018, Pis/Cofins participavam com 21% do contencioso fiscal.
Os advogados tributaristas estão coçando as mãos de tanta ansiedade para que o ISS se transforme logo num tributo não cumulativo. Os políticos em Brasília estão construindo uma estrada que vai enriquecer mais ainda os advogados, e que vai aumentar gigantescamente o custo de conformidade das empresas de serviços; e que vai tornar tudo mais caro e inacessível. E também, que, no final, vai potencializar a força dos agentes públicos. Curta e siga @doutorimposto. Outros 433 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br