Dois têm sido os maiores impedimentos de avanços na ciência e na tecnologia. Primeiro, o suprimento de conhecimentos sobre os variados aspectos da realidade, ainda que isolados, desconectados uns com os outros; e o segundo é o que chamamos de método, que é um caminho reconhecido como válido pelas comunidades científicas para a produção de conhecimentos. Os conhecimentos são o produto da aplicação de determinado método, a mesma forma que um determinado tipo de bolo é a consequência da aplicação de determinado tipo de receita. O método é justamente isso: uma maneira específica através da qual determinado resultado é gerado, tanto em forma de conhecimento quanto através de tecnologia. Para que um conhecimento seja considerado válido e uma tecnologia aprovada, é preciso que o método tenha sido previamente validado e aprovado. E isso é tão essencial que é necessário que se entenda o que os cientistas e pesquisadores chamam de método com bastante precisão.
Pescadores artesanais amazônicos costumavam deixar suas embarcações afogadas, que era o termo que utilizávamos para o ato de cobrir completamente as canoas com água. E isso era feito em uma determinada área do rio em que a água superficial ficasse um pouco acima da altura da embarcação. Isso era feito para proteger a madeira do sol inclemente da região, evitando-se que se deteriorassem mais rapidamente. Assim, quando os pescadores chegavam da comercialização de seus pescados, a providência fundamental era afogar as suas canoas, antes de seguirem para alguns dias de descanso.
Para nós, adolescentes, era uma aventura desafogar as canoas. Muitas vezes ficávamos sentados nos barrancos olhando para elas. Cada um ficava tentando inventar uma forma mais rápida e bem sucedida de tirar toda aquela água de dentro delas. Como consequência, cada moleque tinha o seu jeito peculiar. Havia quem ficasse chacoalhando a embarcação da proa para a popa e outros o faziam da esquerda para a direita, em movimentos de vai-e-vem. Outros, com mais força física, inclinavam a parte da frente ou de trás; os que tinham menos forças tentavam fazê-lo da esquerda para a direita ou vice-versa. Quem não tinha paciência simplesmente pegava uma cuia ou balde e ia retirando a água devagar, depois de puxar a embarcação para cima do barranco.
O que queremos mostrar com esse exemplo é que a finalidade (desafogar a canoa) era feita de diversas formas diferentes. Cada qual tinha a sua. Cada qual inventava a sua. O que valia, de fato, era ter a canoa livre das águas e preparada para seguir viagem. De forma comparativa ao que chamamos método, a finalidade do método é a geração de um produto chamado conhecimento. A diferença é que, na ciência, há um esquema lógico macro, que chamamos método científico, que ordena a produção de esquemas lógicos específicos. É esse ordenamento que vai permitir que os cientistas de uma determinada área considerem válido ou não o conhecimento gerado por um determinado esquema lógico utilizado.
A validade de um método está sempre associada à sua confiabilidade. Um método é considerado válido quando ele gera resultados para o fim para o qual ele foi criado. Uma forma de medir temperatura é confiável quando apresenta como produto final o número de graus relativo à quantidade de calor de um corpo. Se apresentar resultados em forma de quilogramas ou metros, não é válido, uma vez que quilograma é medida de massa e metro é medida de comprimento. Por sua vez, um método é considerado confiável quando os seus resultados forem sempre muito parecidos. Por exemplo, se uma forma de medir a temperatura, em determinado instante, for de 27 graus, 2 segundos depois for de 2.000 graus e 2 segundos depois for de -30 graus, não pode ser considerada um método confiável, uma vez que não está medindo sempre da mesma forma. Se medisse agora 27 graus, depois de 2 segundos fosse de 28 graus e em seguida de 26 graus, poderia ser considerado um método confiável porque a margem de erro é pequena. A margem de erro é fundamental em tudo na ciência.
Um método, portanto, é um conjunto de procedimentos utilizados pelos cientistas para produzir conhecimentos válidos e confiáveis. Somente métodos confiáveis e válidos são passíveis de gerar conhecimentos também válidos e confiáveis. Isso coloca nos ombros dos cientistas não apenas a necessidade imperiosa de gerar conhecimentos novos e aperfeiçoar os conhecimentos existentes, mas fundamentalmente inventar novas formas de gerar conhecimentos válidos e confiáveis. É essencial que criemos novos métodos para fazer avançar a ciência.
Em algumas áreas os conhecimentos já têm um estoque e métodos robustos, como é o caso das vacinas. Em relativo pouco tempo passou-se do desconhecimento geral sobre a Covid19 para a produção de vacinas eficazes para combatê-la. Tanto o estoque de conhecimento sobre os coronavírus e doenças respiratórias era elevado quanto o eram os métodos diversos existentes, todos válidos. E o resultado foi a geração de inúmeras opções de tecnologias (todo medicamento é uma tecnologia) para combater a epidemia, todas elas, também, válidas e confiáveis. Mas o caso das vacinas e de algumas áreas da medicina são exceções. A realidade é a falta de métodos para gerar conhecimentos para grande parte da vida humana associada.
Talvez o grande impedimento para que se faça avançar tanto a diversidade quanto a capacidade explicativa dos métodos seja a própria deficiência de conhecimentos sobre o método científico. Não é incomum verem-se comunicações ditas científicas que nada têm de ciência. Por isso é tão importante que se compreenda os aspectos centrais dos métodos (validade e confiabilidade) e as etapas de produção de conhecimentos para que se possa avançar nessas duas vertentes: produzir conhecimentos válidos e confiáveis a partir de um sequenciamento lógico de etapas também validados e confiáveis.