11 de dezembro de 2024

O poder da política

Não sou versando em política, mas como professor, já com mais de vinte anos no magistério, tanto no ensino fundamental, médio e superior, no setor público e privado, tenho acompanhado nos últimos anos, colegas de trabalho acadêmico, alunos e ex-alunos que, facilmente, deixaram-se cooptar pelo poder dominante. E isso tem me levado a seguinte indagação: Por que alguns homens deixam-se corromper pela política e outros não?

Há quem diga que sim, que a política corrompe o homem, mas particularmente não concordamos com essa ideia. Pelo contrário, pensamos que se uma pessoa deixa-se corromper, seja por qual for à situação, ela estará simplesmente seguindo o seu caráter. Pense comigo: é possível um animal tornar-se um vegetal? Ou um mineral uma flor? Impossível, não é mesmo? Pois bem! Ninguém torna-se bom ou mal de uma hora para a outra. Isso é uma construção. Tem a ver com o caráter da pessoa.

Segundo Santo Agostinho, ”Se o bem vem de Deus, o mal se origina da ausência do bem e só pode ser atribuído ao homem, por conduzir erroneamente as próprias vontades”. Por essa razão, não importa se você é de direita, de centro, ou de esquerda. Quem é corrupto sempre será pobre de caráter. E não adianta culpar os outros, a estrutura, por seus erros. Quem toma as decisões, certas ou erradas, justas ou injustas, é o ser humano. Ele é dotado de inteligência. Somente os alienados delegam aos outros aquilo que é de sua responsabilidade.

Conheço pessoas, e são muitas, que possuíam conduta eticamente irrepreensível, mas quando passaram a fazer parte do poder dominante, mudaram completamente o seu modo de ser, de agir. Como num passe de mágica, tudo aquilo que outrora defendiam, pensavam e acreditavam, deixaram de lado, trocando de opinião, assim como se troca de roupa, dependendo da conveniência. Na política, na religião, na vida em geral, é impossível a qualquer homem ser feliz negando seus ideais!

Por isso, não há coisa que demonstre de maneira mais decisiva o caráter de um homem do que a maneira como ele tratada os seus amigos, familiares e parentes. A família é o bem maior de qualquer ser humano, e a amizade é uma virtude que perpassa qualquer situação, seja ela política, econômica, social ou religiosa. É como diz a Bíblia, “Quem encontrou um amigo, encontrou um tesouro”, de tão raro que é.

Frei Beto, em seu livro A Mosca Azul (2006), falando de sua amizade com o então presidente Lula, alertou-o dos perigos de inserir-se numa estrutura viciada sem se deixar cooptar por ela, dizendo: “Não se prestou atenção a alianças firmadas, interessava o carisma contagiante do candidatado saído da fábrica, o discurso indignado frente às injustiças, a transparência ética, a promessa de reinventar o Brasil”. Portanto, não podemos aceitar quando alguém nos diz que “mudei por causa da política”. Ledo engano, o que muda são as responsabilidades, os compromissos, nunca a pessoa.

Conceitualmente à corrupção pode ser entendida como atentado ou transgressão às normas, princípios e valores, tantos os jurídicos quanto os sociais. Em verdade, retrata uma violação mediata ou imediata ao organismo como um todo, configurando-se sempre em uma lesão. Retrata ainda uma conduta gravosa, independentemente de sua ordem: social, econômica ou político-estatal.

Ora, entendida como algo inserto na órbita da natureza humana, a corrupção é a transformação do ser humano em objeto. Por isso, não podemos aceitar como natural alguém dizer: “Eu mudei por causa da política”. Quem utiliza desse tipo de argumento é um farsante, “um lobo em pele de cordeiro”. Por fim, a marcha de nosso pensamento continua: será que a política “munda” a natureza humana? Será que o poder “transforma” o homem?

Luís Lemos

É filósofo, professor universitário e escritor, autor, entre outras obras, de "Filhos da Quarentena: A esperança de viver novamente", Editora Viseu, 2021.

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