Estamos na quarta revolução industrial, era digital em constante evolução, onde avanços tecnológicos transformam rapidamente nossos processos produtivos, comunicação, interação e acesso à informação. Neste artigo, compartilho experiência em uma biblioteca do Reino Unido, que me fez refletir sobre o papel crucial da leitura e das bibliotecas nesse contexto de mudanças.
Nos dias 8 e 9 de junho de 2023, juntamente com outros 13 pesquisadores do Instituto de Consumo Sustentável <https://bit.ly/43AGQFo>, da Universidade de Manchester, participei de uma atividade singular: o retiro de escrita, conhecido como writing retreat. Esse período foi dedicado exclusivamente à prática da escrita em um ambiente tranquilo e inspirador, geralmente em um local isolado, permitindo aos participantes se concentrarem em seus projetos de escrita, sem as distrações do cotidiano.
O retiro ocorreu na icônica Biblioteca Gladstone <https://bit.ly/3P8zlkX>, localizada em Hawarden, no norte do País de Gales, cerca de duas horas de trem a partir da estação de Manchester. Ao adentrar a biblioteca, parecia que estávamos vivendo cenas dos filmes da série Harry Potter. Trata-se de uma biblioteca residencial, com um acervo impressionante de cerca de 150 mil obras, além de salas de leitura, restaurante e salas de reunião e conferência. A história dessa biblioteca remonta a 1889, quando o estadista e quatro vezes Ministro da Inglaterra, Senhor William Gladstone, um ávido leitor, decidiu criar um espaço para compartilhar seus 32.000 livros com aqueles que não tinham acesso à leitura, bem como com escritores. Ao longo do tempo, a biblioteca tornou-se um local de residência para grandes pensadores e escritores.
No primeiro dia, dediquei-me à leitura de artigos científicos, a fim de concluir uma etapa do projeto CITIZENET0 <https://www.jgsilva.org/ opção Projects>. Esse projeto consiste em um questionário elaborado para entrevistar formuladores de políticas públicas e gestores públicos de Londres, Amsterdam, Copenhagen, Oslo e Helsinki, a fim de descobrir como eles estão efetivamente envolvendo os cidadãos no processo de descarbonização de suas cidades.
No segundo dia, explorei todo o espaço físico da biblioteca em busca do livro mais antigo sobre Cidadania, publicado em 1923 por William Henri Hadow, um reformista educacional, cuja leitura permitiu viajar por meio das ideias dos grandes pensadores das escolas da Grécia, Roma, Pérsia e Inglaterra. Por meio dessa leitura, refleti sobre o papel do Estado e dos cidadãos ao longo da história.
Por meio do retiro de escrita, fiquei imaginando sobre o papel da leitura e das bibliotecas em plena quarta revolução industrial, era cada vez mais virtual, em que dados e informações nos bombardeiam diariamente em uma velocidade e variedade jamais vistas antes.
E o papel da leitura na era digital é relevante pelos motivos:
Primeiro) abre as portas para a obtenção de dados e informações para tomar decisões e aprender, seja por meio de livros eletrônicos, artigos, base de pesquisas, revistas, plataformas de treinamentos e outros recursos online.
Segundo) aprimora o desenvolvimento intelectual, pois a leitura digital, quando feita de forma seletiva, estimula habilidades como análise crítica, interpretação do texto e do contexto de nosso dia a dia, nos ajudando a aprender com o passado e explorar novos horizontes.
Terceiro) estimula a criatividade, pois há diversos conteúdos com contos digitais, histórias inspiradoras, interativas, nos ajudando a pensar diferente e expressar nossas ideias e perspectivas de maneira nova, diferente.
Quarto) constrói conexões com outros leitores em comunidades virtuais, em fóruns, grupos de leitura virtual, redes sociais e outras formas de mídias.
A importância da leitura na era digital fica mais visível quando lemos sobre as tendências do futuro do trabalho. Segundo relatório em 2023, publicado pelo Fórum Econômico Mundial <https://bit.ly/3PdYlY5>, o futuro do trabalho demandará, entres outras habilidades, o Pensamento Analítico, o Pensamento Criativo, a Curiosidade e a Aprendizagem Contínua, e para desenvolvê-los com sabedoria, é preciso ser uma pessoa alfabetizada digitalmente, capaz de identificar e evitar fake news, ser seletivo(a), escolhendo fontes confiáveis e atualizadas, bem como na identificação de dados ou informações úteis ao seu dia a dia.
Indivíduos com aversão ao pensamento crítico, ao estudo, à comparação, à dúvida e ao questionamento tornam-se vítimas fáceis de notícias falsas, manipulados por grupos políticos ou religiosos. Além disso, ficará mais difícil para elas terem acesso a oportunidades de trabalho de qualidade em um mercado cada vez mais exigente, onde o uso da mente é valorizado.
No Reino Unido, por exemplo, a leitura tem papel destaque nas políticas públicas, valendo destacar uma série de medidas para estimular a leitura em crianças, seja por meio do Currículo Nacional publicado em 2013 que exigiu que as escolas ensinem a leitura fazendo uso sistemático da fonética, seja por meio do Programa English Hubs <https://bit.ly/3qH0hy0>, ou por meio de um guia publicado pelo Departamento de Educação em 10 de julho 2021 <https://bit.ly/3X53t2D> para ajudar os professores a trabalharem junto com os pais para melhorar o aprendizado e a leitura das crianças.
Além da leitura, as bibliotecas continuam importantes na era digital pois fornecerem acesso diversificado aos recursos, promoverem a equidade no acesso à informação, oferecerem orientação especializada, proporcionarem espaços físicos e digitais propícios à leitura, bem como fornecerem programas e serviços que atendem às necessidades da comunidade.
Nesse contexto, o Reino Unido é conhecido por suas magníficas bibliotecas. Além da Biblioteca Gladstone, há outras igualmente notáveis. Por exemplo, a Biblioteca de Chetham <https://bit.ly/3p2zTy3>, a biblioteca pública mais antiga da Grã-Bretanha, e a Biblioteca John Rylands <https://bit.ly/3J97PQg>, que parece saída de outro universo. Ambas estão localizadas aqui em Manchester, e tenho planos de explorá-las em breve.
Além delas, há a Biblioteca Central de Liverpool <https://bit.ly/3X00OXP>, a Biblioteca Bodleian <https://bit.ly/42Abi1o> da Universidade de Oxford, a Biblioteca de Birmingham <https://bit.ly/3MVqe44>, a Biblioteca Britânica <https://www.bl.uk/>, entre outras.
O investimento na promoção da leitura entre as crianças tem trazido resultados significativos. Em maio de 2023, o Governo do Reino Unido divulgou os resultados do Estudo Internacional de Alfabetização em Leitura (PIRLS) 2021, que avaliou e comparou o desempenho da leitura e as atitudes das crianças do 5º ano. Os resultados apontaram que a região evoluiu do 10º lugar em 2016 para o 4º lugar em 2021, em comparação com 43 países.
Diante disso, precisamos indagar as nossas autoridades sobre o Plano Nacional da Educação no Brasil. Quais são os investimentos concretos que estão sendo realizados no país, no Amazonas e em Manaus para fortalecer o hábito da leitura e modernizar nossas bibliotecas? Essa é uma reflexão importante, considerando a importância do acesso à educação de qualidade e ao incentivo à leitura como ferramentas essenciais para o desenvolvimento dos brasileiros na era digital.