Em uma de minhas aulas sobre mineração fui questionado: qual seria o recurso mineral mais valioso da Amazônia, ouro, nióbio, ferro, silvinita…?
Não tive dúvida em responder: nosso minério mais valioso tem cor azul – a água.
Poucos lembram das aulas de ciências, mas, a água é um mineral e na forma sólida, seus cristais têm cor azul na natureza. Nas fotografias de regiões polares congeladas, as cores azuis não são reflexos do mar, ou de um céu sem nuvens…
Os recursos hídricos superficiais e subterrâneos amazônicos são o maior patrimônio planetário e estão sob a tutela do povo brasileiro, em sua maior territorialidade, cabendo, ainda, responsabilidades às nações que compõem com o Brasil a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica – OTCA.
No livro A AMAZÔNIA E A ZONA FRANCA DE MANAUS – Caminhos Independentes, de autoria do amigo Juarez Baldoino da Costa, temos a compreensão estratégica de valor do nosso ‘ouro liquido’: “discorrer sobre a única região do planeta que permite a vazão de 3.000 litros de água doce por dia para cada um de seus 7,7 bilhões de habitantes (o suficiente para 10 planetas iguais) será sempre o desafio“.
Considerando a abundância, parece que o Estado brasileiro e o Amazonas não se despertaram para a correta geopolítica desse patrimônio.
No último dia 17 de junho, o Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca, o secretário-geral da ONU, António Guterres, trouxe o apelo em sua mensagem: “a degradação do solo devido às mudanças climáticas e à expansão da agricultura, cidades e infraestrutura prejudica o bem-estar de 3,2 bilhões de pessoas […]. A humanidade está a travar uma guerra implacável e autodestrutiva contra a natureza […]. Evitar, desacelerar e reverter a perda de terras produtivas e ecossistemas naturais agora é urgente […]. Restaurar terras degradadas traz resiliência econômica, cria empregos, aumenta a renda e a segurança alimentar”.
Na contramão, os Estados Unidos da América e o Brasil já estão sentindo as consequências da falta de cuidado com o tema em seus territórios.
O uso abusivo das águas subterrâneas na agricultura intensiva, acarretando a subsidência de terrenos e do nível freático dos aquíferos; o incentivo à indústria de shale gas (gás natural extraído de xisto – tipo de rocha) na matriz energética desde 2011, trazendo riscos ambientais (poluição e uso intensivo de água) relacionados ao fraturamento hidráulico (fracking), técnica utilizada para sua extração; o distanciamento das políticas de meio ambiente ianques aos principais acordos globais, especialmente, nos últimos quatro anos do governo Trump, expõem a mais importante nação da economia mundial à vulnerabilidade de suas opções históricas: secas e incêndios florestais recorrentes, tendo que escolher, hoje, entre saciar a sede das suas populações, ou investir no uso da água nos diversos arranjos produtivos.
Há um equívoco no discurso de que a gestão ambiental é um modismo, ou, aos “terraplanistas negacionistas”, um instrumento de poder induzido por massas populares “comunistas e canhotas” em desfavor ao desenvolvimento econômico.
O enfrentamento aos desafios contemporâneos da sustentabilidade, em tempos de mudanças climáticas, exigirá o esforço comum de todas as cabeças pensantes: olhos, ouvidos, braços e pernas, dos dois lados, da “direita” e da “esquerda”, destros e canhotos, analisando nossas experiências nacionais e planetárias exitosas e desastrosas.
Da mesma forma, o Brasil caminha, desde 2019, importando e reproduzindo a política ambiental norte-americana do governo Trump, onde o custo social e de meio ambiente é mera externalidade econômica.
A invisibilidade das populações amazônicas e a falta de políticas públicas destinadas à conservação do território, em especial na condução do patrimônio hídrico às soluções locais e globais, já nos trazem enormes prejuízos à Amazônia nacional, transnacional e ao que sobra do Brasil, o restante dos 40% do nosso continente.
Os dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (INPE) e do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) revelam o tom da gravidade amazônica: mesmo em período chuvoso, abril e maio foram meses que devemos nos envergonhar quanto aos indicadores de desmatamento, um registro histórico de nossa irresponsabilidade enquanto sociedade, incapazes que estamos sendo na gestão territorial e no cuidado da Amazônia.
É preciso explicitar o tempo verbal no pronome ‘Nós’, pois somos ‘nós’ que elegemos presidentes, governadores, prefeitos… e seus planos e políticas públicas correspondentes.
Infelizmente, o Amazonas e a Amazônia vivem um apagão ambiental.
Ao invés de enfrentarmos o tema ambiental como uma política de Estado, permanecemos inertes, optando por “enxugar gelo” em reedições de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ou em decretos estaduais emergenciais.
Em voga o tema tratamento preventivo, ao invés de investigarmos as causas e tratarmos a doença que se abate na Amazônia, com o cuidado, exame e planejamento integrados devidos, continuamos a investir em analgésicos que aliviam alguns sintomas: a dor de cabeça, a febre…
Se avizinha o período de estiagem amazônico que favorece as queimadas. Por mais bombeiros e água que dispormos, ou, não dispomos ao enfrentamento das queimadas, faltará competência em levar educação, formalização às diversas atividades produtivas, que se encerram num eficiente licenciamento e controle ambiental do território de dimensões continentais.
Usar água para apagar incêndios florestais é o valor menos nobre de nossos recursos hídricos.
Ouvindo, recentemente, a tribuna da Assembleia Legislativa do Amazonas, o discurso do deputado estadual Angelus Figueira informando da aprovação de seu requerimento por uma audiência pública que debata um programa estadual estratégico à gestão dos recursos hídricos no Amazonas se acende uma luz no túnel sombrio que vivemos desde os estragos da reforma administrativa executada pelo governo Melo, em 2015.
Vamos esperar que a ousadia dessa iniciativa parlamentar leve discernimento às autoridades instituídas que cuidar das águas não é apenas um dever do Estado. É uma decisão política e civilizatória.