O abuso sexual de crianças é fato tão repugnante, que, na maioria das vezes, viramos a página da notícia, mudamos o canal da televisão, fingimos ser cegos, surdos e mudos! Até quando?
Até quanto jogaremos essa aberração para debaixo dos nossos tapetes? Todos nós conhecemos crianças que já passaram por essa tragédia, primos, tios, pais, filhos. Toda família, salvo raríssimas exceções, vivenciou ou convive com essa monstruosidade.
Violência sexual
Dados do Ministério da Mulher, da Família e Direitos Humanos informam que, dos registros feitos pelo Disque Direitos Humanos ao longo de 2019, 86,8 mil são de violações de direitos de crianças ou adolescentes, um aumento de quase 14% em relação a 2018. A violência sexual figura em 11% das denúncias que se referem a esse grupo específico, o que corresponde a 17 mil ocorrências. Em comparação a 2018, o número manteve-se praticamente estável e apresentou uma queda de apenas 0,3%.
Estatísticas sombrias
O levantamento da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos permitiu identificar que a violência sexual acontece, em 73% dos casos, na casa da própria vítima ou do suspeito, mas é cometida por pai ou padrasto em 40% das denúncias. O suspeito é do sexo masculino em 87% dos registros e, igualmente, de idade adulta, entre 25 e 40 anos, para 62% dos casos. A vítima é adolescente, entre 12 e 17 anos, do sexo feminino em 46% das denúncias recebidas.
Em Manaus, mais de 130 suspeitos de crimes de abuso sexual praticados contra crianças e adolescentes foram presos nos primeiros dois meses de 2020. Segundo a Polícia Civil, foram 1.007 prisões por crimes como estupro de vulnerável, estupro, assédio sexual e outros delitos contra o público infanto-juvenil em 2019.
A Psicologia faz alertas
A pergunta que não cala: Como proteger nossas crianças e como não ser conivente, como no caso da criança de 10 anos que foi abusada desde os 6 anos por um tio dentro da própria casa? Qual o papel de cada um de nós nessa vergonha? O que nos cabe, o que nos compete? A mim, a você, a todos nós? A Psicologia da Criança é uma ferramenta que precisa ser utilizada em todas as entidades e instituições que trabalham com crianças e com famílias.
O primeiro sinal a ser observado é uma possível mudança no padrão de comportamento das crianças. Na literatura, esse é um alerta muito frequente, facilmente perceptível, porque costuma ocorrer de maneira repentina e brusca. Condutas que surpreendem, nunca adotadas. Medos que não ocorriam, mudanças extremas de humor, voltar a fazer xixi na cama. Os pais ou responsáveis, professores, em suma, quem fica perto de criança no cotidiano precisa perceber.
Perversidade e abandono
É comum a criança demonstrar rejeição em relação ao criminoso, embora seja preciso usar o senso para identificar quando uma proximidade excessiva é um alerta. Segundo depoimento das autoridades policiais, os membros da família são os abusadores mais frequentes. É a combinação da compulsão com o abandono infantil. O mais grave dessa tragédia é que a compulsão de quem estupra frequentemente não se importa com idade. As crônicas policiais estão aí para confirmar. Por tudo isso, não podemos lavar as mãos da indiferença, muito menos enganar nossa consciência com justificativas para nosso distanciamento. Esse debate exige atitude, mobilização e ação, preferencialmente voluntária e coletiva. É urgente remover essa mancha da perversidade e do abandono.
A solução passa primeiro por um conjunto de ações integradas a exigir de cada Órgão envolvido o cumprimento do seu papel com a firmeza que o caso requer: Conselho Tutelar, Delegacias Especializadas, Ministério Público, Judiciário e a sociedade. Os entes familiares coniventes com essa aberração devem responder por seus crimes sem os favores da Lei e, sim, com os rigores dela. Quanto ao estuprador, tenho a plena convicção, como mãe, cidadã e advogada, de que certos crimes deveriam ser punidos com a prisão perpétua, como no caso de estupro de crianças, mas, a legislação brasileira ainda não permite, infelizmente!
As escolas devem exercer um papel fundamental desde a primeira infância e, para tal, devem receber estrutura a fim de preparar profissionais capazes e de lidar com a situação. Crianças devem ser ensinadas a respeito de seus direitos e sobre o não calar em caso de abusos.
E, principalmente, devemos escancarar e não calar ao nos depararmos com casos de abusos sexuais, já que, na maioria das vezes, a vítima sofre calada por anos, perde a dignidade e a vida inteira.