10 de dezembro de 2024

Não está tudo normal

Um dos piores acidentes aéreos da história do Brasil ocorreu no dia 29 de setembro de 2006. Um Boeing da Gol bateu em um jato Legacy no ar e caiu. Era o voo 1907 que tinha saído de Manaus com destino final Rio de Janeiro e 154 pessoas que estavam a bordo morreram na queda. Os brasileiros se comoveram com vítimas e suas famílias.

Uma tragédia mais recente foi o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, ocorrida em 25 de janeiro do ano passado, que matou 270 pessoas. Nossa sociedade assistia comovida a atuação dos bombeiros na busca das vítimas em meio a um mar de lama e muitos sofriam com a angustia das famílias. Em doações vítimas da tragédia de Brumadinho receberam toneladas de alimentos, roupas e materiais de limpeza, além de milhares de litros de água potável. 

Relembramos essas tragédias para afirmar que o brasileiro é solidário e demonstra empatia para com o próximo. Quem nunca ficou chocado com a morte de pessoas em desastres ou acidentes? Quem nunca fez uma doação para entidades de crianças carentes ou idosos? Quem nunca participou de uma ação solidária?

Apesar de termos a certeza de que somos um povo solidário podemos estar errados. No ano de 2019 a organização britânica Charities Aid Foundation (CAF), em parceria com o Instituto Gallup, divulgou o World Giving Index, ou seja, o Ranking Mundial da Solidariedade e, pasmem, ficamos no 122º lugar entre 146 países. O relatório contou com 150 mil entrevistados e se baseou em três tipos de ações: ajuda a um estranho, doação em dinheiro e doação de tempo ou trabalho voluntário.

E quanto a empatia? Apenas para esclarecer a empatia é a capacidade de se colocar no lugar de alguém para imaginar como seria vivenciar uma experiência desagradável enfrentada por essa pessoa. É ela quem nos faz chorar quando acompanhamos uma história triste e faz surgir a vontade de ajudar aquela pessoa quem nem conhecemos.

Enfim, o brasileiro tem empatia pelo próximo? O Brasil ficou em 51º lugar em uma pesquisa da Universidade Estadual de Michigan (EUA), feita com 63 países e tendo a participação de mais de 104 mil pessoas. O estudo foi feito através de um questionário com perguntas que tentavam medir a compaixão e a tendência dos voluntários a imaginar o ponto de vista de outros em situações hipotéticas.

Os resultados dos estudos citados parecem realmente apontar para um resultado não muito agradável e a pandemia do COVID-19 parece deixar claro que realmente não temos tanta empatia assim pelo próximo e nem somos tão solidários quanto imaginávamos.

Desde a primeira morte causada pelo COVID-19 até o momento temos uma média acima de 570 mortes por dia. São quase quatro aviões da Boeing caindo por dia ou duas barragens de Brumadinho se rompendo diariamente. E diante desses trágicos números muitos não estão respeitando sequer a questão do uso da máscara, uma das orientações mais simples de proteção durante a pandemia.

Não se trata mais do “Fique em casa” que provocava questionamentos sobre a dificuldade de ficar em quarentena, por força da necessidade do trabalho ou por causa das suas condições sociais. O que estamos presenciando com a flexibilização do isolamento e a retomada das atividades econômicas é o desrespeito, e as vezes, até o deboche, em relação os protocolos de higiene e distanciamento. E não se trata daqueles que estão prestando um serviço ou realizando suas atividades laborais, mas sim da população em geral que está voltando a circular pelas ruas.

Usar máscara é difícil? Respeitar a distância segura é também impossível? Lavar as mãos ou usar álcool gel é bobagem? Não se trata mais de fazer algo por si, mas pelo próximo. Se você não tem medo de ser contaminado deveria pensar nos seus filhos, pais, avós, amigos e, até mesmo, naquele que você não conhece, o seu “próximo” ou nos profissionais da saúde, que continuam lutando contra os efeitos da pandemia. Milhares já morreram e pessoas estão agindo como se tudo estivesse normal. Não está normal.

De certo que não há como impedir tragédias como a queda de um avião ou o rompimento de uma barragem, nem mesmo temos poder pleno de evitar que uma pandemia cause mortes, mas não devemos nunca contribuir para que a situação se agrave. Não devemos aceitar que seja normal a morte de milhares de “próximos” todos os dias, seja por qual motivo for.A solidariedade e a empatia estão ligadas diretamente à cidadania, sendo essenciais para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária. Somente com a capacidade de se pôr na condição do outro é que podemos entender e colaborar de forma efetiva na transformação da nossa realidade. A pandemia não passou e você pode estar colaborando para que ela continue.

*Moisés HoyosAnalista é tributário da Receita Federal do Brasil

Moisés Hoyos

Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil

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