Numa venda de R$ 100 efetuada pela indústria é destacado o débito ICMS de R$ 18. O comprador atacadista revende por R$ 200 e assim paga R$ 18 sobre o valor adicionado de R$ 100. O estabelecimento varejista revende a mercadoria por R$ 300 e também paga R$ 18 sobre o valor adicionado de R$ 100. Demonstrando os cálculos de outra forma, ocorre que o estabelecimento atacadista faz a apuração do ICMS mediante confronto do débito de R$ 36 menos o crédito de R$ 18. O varejista confronta débito de R$ 54 menos crédito de R$ 36. Ou seja, o débito de uma fase da cadeia é convertido em crédito na etapa seguinte.
Esse jogo aritmético ao longo da cadeia de produção/distribuição é que caracteriza o modelo de Imposto sobre Valor Adicionado (IVA). A nossa legislação chama isso de Não-Cumulatividade, que, a priori, pode parecer um mecanismo que objetiva evita o pagamento sobre valores já tributados anteriormente. Isso, em tese. Na prática, o regime não cumulativo é um terreno pantanoso. Parte expressiva do contencioso de R$ 5 trilhões tem alguma relação com disputas envolvendo débito versus crédito. O IVA brasileiro é um fomentador de práticas delituosas por incitar o jogo de esperteza tão característico do povo brasileiro. A coisa toda se tornou caótica pela infinita multiplicidade de enquadramentos e de alíquotas; tudo isso temperado com impostos “por dentro” e com incidência de vários tributos sobre a mesma base. Podemos dizer que desgraça pouca é bobagem quando nos debruçamos sobre essa bagaceira tributária.
Alguém pode garantir que o IVA não é responsável pelo nosso bagunçado sistema tributário, já que é adotado por várias de nações desenvolvidas. Acontece que o IVA europeu é alvo de críticas pela natureza burocrática do modelo. E olha que o IVA europeu é duzentas vezes mais simples que o IVA brasileiro, porque o nosso legislador fragmentou a base de tal forma que parece haver uma legislação para cada produto; tudo é infinitamente detalhado e particularizado. Sapato com sola de couro paga certo valor; sendo sola de borracha, outro valor.
Se houver mistura de materiais, nasce uma questão fadada ao contencioso fiscal. A extremada fragmentação de detalhamentos particularizados cria um cenário de absoluto subjetivismo, onde é impossível definir objetivamente o que é e o que não é (e a forma). As empresas navegam no oceano da dúvida e da incerteza e os órgãos reguladores tentam corrigir problemas com um vasto e indecifrável conjunto de regras que se colidem num frenético jogo de interpretações desencontradas. Por tudo isso é que o nosso IVA se transformou numa fonte maligna que produz atrocidades odiosas todo o santo dia.
O regime da substituição tributária do ICMS, apesar de polêmico, nos fez enxergar o imposto por uma ótica simplificada. O mesmo fenômeno se deu pelo advento do Simples Nacional. O empresário pagador de ICMS-ST passou a experimentar um sentimento novo: a sensação terminante (case closed). Por exemplo: As autopeças amazonenses pagam antecipadamente todo o ICMS, não havendo apuração. Isso é consequência dum pleito desses empresários junto a Sefaz para eliminar o processo de apuração. Com isso, a morte do IVA fez despencar o risco de autuações fiscais, já que o comércio de autopeças não confronta débito com crédito. Um detalhe importante: Quando o primeiro comerciante paga, todas as autopeças amazonenses da cadeia subsequente ficam livres do imposto.
Pois é. Já temos uma reforma tributária. Bastaria transformar uma modalidade de cobrança tributária num imposto cobrado por ocasião do ingresso da mercadoria no estado destinatário. Até o ano de 2015, as empresas acreanas viviam dias de tranquilidade porque tudo era antecipado. O dono de uma distribuidora com unidades instaladas em toda a Amazônia Legal chegou a dizer que a unidade do Acre era a que nunca gerava preocupação de riscos fiscais envolvendo ICMS. Enquanto isso, a filial manauara vivia num eterno embate com a Sefaz por causa de confusões envolvendo débito versus crédito.
O grande problema das empresas brasileiras não é tanto a carga, mas a complexidade tributária. Como os estados não abrem mão do imposto interestadual, poderia então ser cobrada uma taxa na saída para outras unidades federativas e cobrada outra taxa no momento do ingresso no estado destinatário (sendo tudo “por fora”). A não cumulatividade deveria ser completamente abolida. A maior potência do mundo não pratica o IVA. E isso já basta. Curta e siga @doutorimposto