15 de setembro de 2024

Historiando a história – III

Continuemos. No capítulo anterior (II) conclui-se afirmando que todo o acontecido deixou Mr.Gordon falando sozinho. Assim: “Estou absolutamente convencido de que a principal finalidade da revolução brasileira de 31 de março e 1º de abril de 1964 era preservar, e não destruir a democracia, e acredito que os acontecimentos a partir de então confirmam isso”. O diplomata aguentou depois disso, até o Ato Institucional nº 5. A partir daí ficou assinalado o abandono de toda a simulação legal de manutenção das instituições democráticas e restou a Mr.Gordon protestar contra o que lhe parecia então, mas só então, “uso arbitrário do poder no Brasil”.

Ora, Mr. Gordon! Na verdade, a história da violência da política externa americana executada pela Embaixada e pelo serviço de inteligência americanos contra a auto determinação do Brasil, e que resultou na revolução de 64, bem como a verdadeira história desse movimento militar, aos poucos foram sendo revelados através de livros e depoimentos e pela liberação de documentos “ex-secretos”, cujos conteúdos parecem minimizados pelo tempo. Mas, já se anunciou no outro artigo, que a bibliografia será relacionada ao final da série. Não tem mistério para a história. Bastou acenar-se no Governo Bolsonaro com uma crise militar, e pronto, os registros histórico se fazem presentes em expectativa, o que, afinal de contas é o que temos feito, embora seja bom proclamar-se: “Figa, Pé de Pato, Bangalô três vezes!”

Sucede, a linha de comportamento da Embaixada e da Cia se foi alterando aos poucos. Quer saber? A 14 de setembro de 1961, duas semanas depois da badalada posse de Jango, prevalecia o comedimento e Washington recebeu a seguinte informação: “Até ficar mais esclarecida a orientação americana, propomos tratar com o novo Governo na pressuposição de que não houve solução de continuidade nas relações tradicionalmente estreitas e cordiais entre os Estados Unidos e o Brasil. Quanto ao presidente Goulart, estamos preparados para dar-lhe o benefício da dúvida, tentando ao mesmo tempo induzi-lo a acreditar que a cooperação com os Estados Unidos será vantajosa para ele e para o Brasil.”

Como se pode ver, mudados os personagens, o texto se prestaria perfeitamente para relatar os moldes de uma auditoria de rotina executada por qualquer matriz em uma agencia do interior, de qualquer instituição ou organização, cujo encarregado, ou gerente, estivesse sob suspeita. Sabe de uma coisa? Parece adequado aqui o uso de qualquer interjeição impublicável… Meses depois, todavia, a Lei de Remessa de Lucros aprovada pela Câmara dos Deputados em 29 de novembro de 1961, que, na verdade, foi um projeto que não chegou a ser lei, criou um novo conceito limitador das remessas de lucros, altamente desinteressante para o capital estrangeiro que foi, assim, forçado a moderar-se. Tudo isso resultou na mais série fonte de preocupações para a diplomacia americana que, como se sabe, funciona em termos de gerar vantagens políticas, econômicas e militares para os Estados Unidos.

Em seguida, no início de 1962, surgiu uma onda de manifestações sussurradas aos ouvidos de Mr. Gordon e seus funcionários. Segundo registros, dizia respeito a profundas insatisfações e preocupações com o governo “esquerdizante” de Jango. Tudo começou com a figura do almirante Silvio Heck, ex-ministro de Jânio Quadros que compareceu perante Mr.Gordon, e segredou-lhe, arfando, talvez, que Goulart era “um sujeito repugnante, um comunista, e não tinha bons propósitos” e mais, que apenas “fingia que agora estava agindo bem”. Depois concluiu: “qualquer dia desses, vamos entrar em ação, e esperamos que, quando isso acontecer, os Estados Unidos não fiquem indiferentes”. Não se sabe se junto com a última frase o almirante deixou cair algumas lágrimas. Mas Mr. Gordon certamente esfregou as mãos satisfeito e surpreso, embora tivesse ficado ruborizado, nem que fosse por delicadeza, quem sabe, afinal de contas a pessoa em questão era nada mais nada menos, do que o Presidente do Brasil, que bem ou mal, fora eleito por vontade livre do povo, através de eleições diretas, processo, aliás, de saudosa memória. Todavia, com o correr do tempo Mr. Gordon (Continua)

Bosco Jackmonth

* É advogado de empresas (OAB/AM 436). Contato: [email protected]

Veja também

Pesquisar