7 de outubro de 2024

Esse complexo de vira-latas (Parte 1)

Quando se contempla a classificação do Brasil perante o quadro de medalhas e o mais, em comparação com os demais países nos Jogos Olímpicos de Tókyo, vem à memória, ao inverso, o decreto de Nelson Rodrigues, festejando a conquista da Copa do Mundo de 1958, na Suécia, verbis “Já ninguém tem vergonha de sua condição nacional” visto o fim de nosso complexo de vira-latas.

Dizia que as pessoas em geral ostentavam um incontido orgulho. Que as pessoas na ruas, todas, os datilógrafos, os comerciários, e as colegiais passaram a andar pelas calçadas ostentando um charme de Joana d’Arc. A imprensa nas suas mais variadas manifestações estampavam orgulhosamente o acontecido. As palavras escritas e verbalizadas criaram matizes verde-amarelas. Uma festa inesquecível! Até os políticos se apresentaram para colher vantagens. Sim, ao políticos que linhas a seguir serão aqui cobrados pela lendária omissão, diante do quadro atual…  

Ao lado de outros pensadores, Nelson esclarecia a dedução lembrando que antes voltado para o nutrido laboratório de análise do futebol, já diagnosticara o tal complexo de vira-latas traduzido pela inferioridade em que o brasileiro se colocava forçadamente em face o resto do mundo. Então aquele extraordinário evento teria operado o milagre da reversão do país de analfabetos que éramos para um país de letrados. E que se analfabetos existiam se foram na vertigem daquele triunfo.

Lembrava que a partir do momento em que o rei Gustavo da Suécia veio apertar as mãos dos Pelés, dos Didis, deu-se uma alfabetização súbita no nosso país. Caras que não sabiam como se escreve chave  com C, ou com X, incontinente passaram a ler o noticiário dos jornais esmiuçando a vitória. A propósito, duvida-se que aquele político regional, mandatário até, que vociferou certa vez, tal como aqui foi criticado em artigo dessa estação de escritos semanais que alguma coisa era “costumais”, em lugar de contumaz, na altura daquela pandemia de alfabetização não ficaria em pé…  

Sucede, os fatos que nos dias correntes caberia levar ao inesquecível cronista e dramaturgo, lá no assento etéreo em que repousa, é que passados mais de meio século depois daquela revolucionária vitória em terras suecas, reconheça-se que a condição de vira-lata abateu-se de volta, implacável e sinistra sobre nossa pátria.

É certo que o futebol ainda nos mantém um tanto quanto de pé, e tudo porque tem natureza inata e conta com seus próprios recursos da venda de ingressos, mas quando não, é verdade que o nosso time feminino foi eliminado, além de outras modalidades. Os nossos craques que brotam às pampas, desde crianças, não recebem nenhum apoio oficial, surgem porque surgem, aqui e ali, ao lado de  outros poucos esportes, que, aliás, poucos, mas nos tem surpreendido em Tókyo.

Cabe então que os senhores políticos dos níveis federal, estadual ou municipal que deveriam cuidar dos destinos do país, do estado ou do município, antes de voltarem a repousar os traseiros nos assentos que lhes servem como se tronos fossem se no exercício de mando, consultassem suas consciências, feito o circuito vital  orgânico entre o norte, nordeste, centro oeste do próprio corpo e mesmo lá no sul (se disse sul…), tomassem alguma providência, já que a pátria por  vezes se veste de uniforme esportivo em busca de glorificar-se. (Continua)

Bosco Jackmonth

* É advogado de empresas (OAB/AM 436). Contato: [email protected]

Veja também

Pesquisar