11 de dezembro de 2024

Entre a Copa e a vida

Bem antes do início da Copa América os alertas foram dados por meio de dezenas de atletas contaminados pelo coronavírus em times do Brasil e da América do Sul. Por aqui mesmo já tivemos vários clubes pedindo adiamento de partidas por causa disso e o exemplo do drama vivido pelo River Plate da Argentina nos deixou comovidos. O próprio técnico Gallardo falou em “equipe dizimada e pouca generosidade”, citando também a obrigação de competir. Fato lamentável e desumano. 

Por aqui, mesmo beirando as 500 mil vidas perdidas, “o quintal da América” resolveu desafiar a ciência e o bom senso e realizar a mais vergonhosa Copa América da nossa existência, onde por mais que se ganhe sairemos derrotados pela falta de respeito para com o povo brasileiro. 

Até ontem tínhamos 52 casos positivos, sendo 33 jogadores e membros das delegações e 19 prestadores de serviços, mas isso se alastra muito rapidamente, até porque existe a subnotificação dos casos. Se porventura alguém adoecer, seremos nós a pagar essa conta (o contribuinte que paga impostos), não a Conmebol, a CBF, a Fifa ou os governantes que irresponsavelmente deixaram isso acontecer quando outros países rejeitaram o certame.  

Claro que nem essa competição nem as demais deveriam ocorrer enquanto a coisa não estivesse devidamente controlada no Brasil. Nesse “intercâmbio de variantes”, havendo vitimas, nenhum figurão do esporte ou do governo vai querer ser responsabilizado. 

Aliás, a CBF de vez em quando nos apresenta algum escândalo, incluindo prisões, dirigentes banidos do esporte, assédio, etc., o que torna essa entidade a menos indicada para impor a um país a realização do “torneio da morte” no meio da maior tragédia da nossa história. 

Aí entram os jogadores. Que decepção! Ensaiaram uma reação, criaram expectativa nos brasileiros que agiriam contra esse evento, e no final emitiram uma nota mixuruca, sem força, sem conteúdo, dando a entender que fizeram agá para a população, jogaram para a plateia, mas se curvaram aos poderosos e estão caladinhos convivendo com o vírus.  

Com uma diferença: enquanto eles, com grana, serão atendidos nos melhores hospitais de São Paulo, que nem os políticos, a população morre sem atendimento e sem oxigênio como aconteceu no Amazonas.  

No momento em que os jogadores da famosa Seleção Canarinho se calam, acovardados, jogadores estrangeiros criticam essa péssima decisão, e patrocinadores caem fora do evento, retirando cifras milionárias e frustrando os dirigentes caça níqueis, sabedores que o momento é péssimo e que não vale a pena expor suas marcas. 

Quando a Argentina e a Colômbia se negaram a receber esse evento e esse embrulho (sentido figurado) ameaçou chegar por aqui, inúmeras manifestações contrarias surgiram, até porque o Brasil não era o país mais indicado para sediar, ainda mais depois de perder mais de quatro mil vidas num só dia e perder mais de duas mil vidas por dia, por muitos dias seguidos.  

Por fim, é péssimo ver brasileiros se acostumando com esses números. Ficamos chocados quando soubemos que a Itália havia perdido 700 pessoas num só dia, mas muitos por aqui parecem acreditar que é normal o que por aqui ocorre. Incomodam-se quando alguém famoso morre, mas cruzam os braços enquanto mais de duas mil pessoas partem em 24 horas. Isso não é normal, é péssimo! 

Augusto Bernardo

é auditor fiscal de tributos estaduais da Secretaria de Estado da Fazenda do Amazonas e educador. Foi um dos fundadores do Programa Nacional de Educação Tributária (atualmente nomeado de Educação Fiscal).

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