Os estudos internacionais sobre sistemas de governo, por muitas décadas, foram categóricos quanto ao futuro do presidencialismo. Tais estudos, em seus aspectos conclusivos, diziam que o presidencialismo estava condenado e seu fim estava próximo. Inaugurados nos momentos finais das segunda e terceira ondas de democratização, na definição de Samuel Huntington, as pesquisas correlacionavam a crise da democracia e a emergência do autoritarismo aos regimes presidenciais.
Da República de Weimar ao populismo latino-americano, do gaullismo ao regime militar, do personalismo ao imperialismo, enfim, tudo recaia na conta do presidencialismo. De modo que pensar o renascimento das democracias com este sistema parecia, na interpretação dos especialistas da época, uma aposta arriscada.
De todos os estudiosos do presidencialismo e dos processos de democratização, Juan Linz parece-me ser o mais sistemático. Em trabalhos como “The perils of presidentialism” [https://scholar.harvard.edu/levitsky/files/1.1linz.pdf] e “Democracy: presidential or parliamentary does it make a difference?” [https://pdf.usaid.gov/pdf_docs/PNABJ524.pdf], Linz mostra que comparativamente o parlamentarismo é superior ao presidencialismo. E mais: o presidencialismo, exceto nos EUA, é incapaz de sobreviver sem crises sistêmicas.
No esforço de corroborar o seu argumento anti-presidencialista e pró-parlamentarista, Linz mapeia os pontos fortes e fracos do presidencialismo vis-à-vis o parlamentarismo, a saber: o presidencialismo tende a instabilidade por um motivo: as crises políticas são transformadas em crises institucionais ou de regime. Em outras palavras, os conflitos políticos dos atores saem do controle e colocam o regime sob a prova de fogo.
Consequentemente, ainda nas palavras de Juan Linz, distúrbios constitucionais são uma constante nas democracias presidenciais à medida que o presidencialismo possui duas fontes de legitimação direta atreladas ao processo eleitoral: o presidente e o parlamento. Neste caso, a cooperação entre os poderes precisa funcionar bem, pois caso isso não ocorra a crise de legitimação torna-se uma realidade e a paralisia decisória estrangula as chances de uma governabilidade possível.
Na pena de Linz, o parlamentarismo, sim, goza de virtudes. Para além da legitimação eleitoral indireta, o que blinda o sistema político contra aventureiros e outsiders, a construção da agenda de governabilidade no regime parlamentar tem como origem a fusão do Executivo com o Legislativo. A legitimação é única e facilita a formação e dissolução do governo democraticamente eleitos; com um simples voto de desconfiança ou eleições antecipadas, um primeiro-ministro é substituído ou fortalecido no próprio pleito. E aí está uma vantagem estratégica do parlamentarismo: a estabilidade política e governamental.
Mutatis mutandis, os dois sistemas de governo passaram por mudanças significativas no seu ordenamento constitucional. Excluindo EUA e Grã-Bretanha, todos os regimes presidencialistas e parlamentaristas do mundo passaram por reformas nas suas engrenagens e, em alguns casos, chega a ser difícil distinguir um do outro. Só para se ter uma ideias, hoje, o continente europeu é majoritariamente semi-presidencialista (sistema híbrido de governo que incorpora características do presidencialismo e do parlamentarismo).
Logo, não se trata mais de discutir sistemas de governo puros, mas de sistemas adaptados à atmosfera institucional e à cultura política de cada país. Melhor dizendo: a predominância de regimes híbridos quebra a narrativa segundo a qual a substituição de sistemas políticos é necessária nas reformas políticas. Mundo afora, sistemas presidencialistas vêm se parlamentarizando e sistemas parlamentaristas igualmente se presidencializam. Parafraseando Jean-Paul Sartre, podemos dizer que não importa o que fizeram com os sistemas de governo. O que importante é o que os sistemas fazem com aquilo que fizeram com eles.
Assim, não me parece sensata e real a crítica ordinária que se faz ao presidencialismo, especialmente o presidencialismo de coalizão. O presidencialismo no Brasil, fruto da nossa longa história republicana e da constituição de 1988, amplamente reformado e limitado, longe de ser um tipo de presidencialismo imperial, monocrático e autoritário, assume as características da autocontenção e da necessidade de negociação contínua. Traduzindo: um presidente não governa só. Precisa negociar constantemente com o Congresso Nacional e, até mesmo, com o Judiciário. O sistema de checks and balances foi radicalmente ampliado e, agora, novos atores também jogam nas múltiplas arenas decisórias. A democracia presidencial funciona bem. Basta saber jogar com as regras e ter habilidade política para negociar com todos os atores envolvidos.