9 de dezembro de 2024

Em defesa da democracia presidencial

Os estudos internacionais sobre sistemas de governo, por muitas décadas, foram categóricos quanto ao futuro do presidencialismo. Tais estudos, em seus aspectos conclusivos, diziam que o presidencialismo estava condenado e seu fim estava próximo. Inaugurados nos momentos finais das segunda e terceira ondas de democratização, na definição de Samuel Huntington, as pesquisas correlacionavam a crise da democracia e a emergência do autoritarismo aos regimes presidenciais.

Da República de Weimar ao populismo latino-americano, do gaullismo ao regime militar, do personalismo ao imperialismo, enfim, tudo recaia na conta do presidencialismo. De modo que pensar o renascimento das democracias com este sistema parecia, na interpretação dos especialistas da época, uma aposta arriscada.

De todos os estudiosos do presidencialismo e dos processos de democratização, Juan Linz parece-me ser o mais sistemático. Em trabalhos como “The perils of presidentialism” [https://scholar.harvard.edu/levitsky/files/1.1linz.pdf] e “Democracy: presidential or parliamentary does it make a difference?” [https://pdf.usaid.gov/pdf_docs/PNABJ524.pdf], Linz mostra que comparativamente o parlamentarismo é superior ao presidencialismo. E mais: o presidencialismo, exceto nos EUA, é incapaz de sobreviver sem crises sistêmicas.

No esforço de corroborar o seu argumento anti-presidencialista e pró-parlamentarista, Linz mapeia os pontos fortes e fracos do presidencialismo vis-à-vis o parlamentarismo, a saber: o presidencialismo tende a instabilidade por um motivo: as crises políticas são transformadas em crises institucionais ou de regime. Em outras palavras, os conflitos políticos dos atores saem do controle e colocam o regime sob a prova de fogo.

Consequentemente, ainda nas palavras de Juan Linz, distúrbios constitucionais são uma constante nas democracias presidenciais à medida que o presidencialismo possui duas fontes de legitimação direta atreladas ao processo eleitoral: o presidente e o parlamento. Neste caso, a cooperação entre os poderes precisa funcionar bem, pois caso isso não ocorra a crise de legitimação torna-se uma realidade e a paralisia decisória estrangula as chances de uma governabilidade possível.

Na pena de Linz, o parlamentarismo, sim, goza de virtudes. Para além da legitimação eleitoral indireta, o que blinda o sistema político contra aventureiros e outsiders, a construção da agenda de governabilidade no regime parlamentar tem como origem a fusão do Executivo com o Legislativo. A legitimação é única e facilita a formação e dissolução do governo democraticamente eleitos; com um simples voto de desconfiança ou eleições antecipadas, um primeiro-ministro é substituído ou fortalecido no próprio pleito. E aí está uma vantagem estratégica do parlamentarismo: a estabilidade política e governamental.

Mutatis mutandis, os dois sistemas de governo passaram por mudanças significativas no seu ordenamento constitucional. Excluindo EUA e Grã-Bretanha, todos os regimes presidencialistas e parlamentaristas do mundo passaram por reformas nas suas engrenagens e, em alguns casos, chega a ser difícil distinguir um do outro. Só para se ter uma ideias, hoje, o continente europeu é majoritariamente semi-presidencialista (sistema híbrido de governo que incorpora características do presidencialismo e do parlamentarismo).

Logo, não se trata mais de discutir sistemas de governo puros, mas de sistemas adaptados à atmosfera institucional e à cultura política de cada país. Melhor dizendo: a predominância de regimes híbridos quebra a narrativa segundo a qual a substituição de sistemas políticos é necessária nas reformas políticas. Mundo afora, sistemas presidencialistas vêm se parlamentarizando e sistemas parlamentaristas igualmente se presidencializam. Parafraseando Jean-Paul Sartre, podemos dizer que não importa o que fizeram com os sistemas de governo. O que importante é o que os sistemas fazem com aquilo que fizeram com eles.

Assim, não me parece sensata e real a crítica ordinária que se faz ao presidencialismo, especialmente o presidencialismo de coalizão. O presidencialismo no Brasil, fruto da nossa longa história republicana e da constituição de 1988, amplamente reformado e limitado, longe de ser um tipo de presidencialismo imperial, monocrático e autoritário, assume as características da autocontenção e da necessidade de negociação contínua. Traduzindo: um presidente não governa só. Precisa negociar constantemente com o Congresso Nacional e, até mesmo, com o Judiciário. O sistema de checks and balances foi radicalmente ampliado e, agora, novos atores também jogam nas múltiplas arenas decisórias. A democracia presidencial funciona bem. Basta saber jogar com as regras e ter habilidade política para negociar com todos os atores envolvidos.

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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