O ano era 1988 e o local prefiro não citar porque alguns personagens ainda estão vivos,. Mas foi uma eleição ferrenha, nada diferente daquelas que acontecem em muitas cidades do Amazonas. Nós formávamos o grupo de oposição à administração atual e tínhamos apoio de um deputado estadual, de uma senadora e um empresário muito rico de Manaus. E muito, muito trabalho pela frente.
Diz um ditado que ninguém espera mais ansiosamente para ser enganado que o candidato. Isto, no entanto não acontecia com o candidato a prefeito, mas acontecia com todos a vereador. Havia, dos dois lados, mais de duzentos candidatos disputando nove vagas e os dois contendores a prefeito. Cento e noventa deles não conquistariam os votos necessários.
Não quero me estender sobre as estratégias de campanha que empregamos porque eu, apesar de não ser candidato, ou por isso mesmo, coordenei a campanha da oposição. De como mapeamos o município, notadamente a cidade, distribuímos os trabalhos não vem muito ao caso. Mas o fato é que é que deu resultado. Até os grandes apoiadores precisavam ser convencidos a abrir os bolsos e investir na campanha. Para isso ela teria de mostrar que era viável, e isso nós fizemos. A partir de pesquisas um tanto quanto duvidosas, passamos à frente do nosso adversário, 45 dias antes das eleições. A margem era pequena e podia sofrer um revés a qualquer momento. Duas rádios no município transmitiam a campanha dentro das restrições legais e no tempo concedido. Embora as duas emissoras fossem também adversárias, nada podiam fazer a não ser cumprir a lei.
Por tráfico de influência política o juiz da comarca havia sido trocado. Naquela época eu acreditava piamente que a corrupção no judiciário era uma exceção. Talvez até fosse, mas nós não queríamos um juiz para nós, queríamos um que fosse neutro e justo. Até então, tínhamos sobejas provas da corrupção do juiz. Foi nomeada uma juíza a quem, durante os trabalhos de coordenação da campanha, aprendi a respeitar, justamente pelas razões citadas e seu conhecimento legal. Tive de comparecer muitas vezes diante dela para receber instruções e até advertências porque o clima era pesado e os candidatos, muitas vezes, ultrapassavam limites. Nesse andar da carruagem , ou como se dizia na região, neste balanço da canoa, chegamos às eleições.
A votação era manual e a contagem levaria vários dias. As urnas foram guardadas no Ginásio de Esportes sob o olhar de guardas e delegados. O fato é que nós sentíamos que tínhamos ganhado a eleição majoritária e faríamos o número maior de vereadores. O que não podia avaliar era o impacto que isso causaria na vida de muita gente. Havia doze anos que o mesmo grupo político estava no poder e muitos já se consideravam pétreos em suas funções não conseguidas por concurso. Muitos apaniguados que dependiam diretamente das eleições. Eu não tinha atinado com o alcance que esta vitória causaria. Porém a juíza sim, porque chegou ao Ginásio e deu todas as instruções aos guardas e delegados e depois me chamou de lado, para perguntar?
– Quantos delegados vão ficar vigiando as urnas durante a noite?
– Nós somos seis comigo, mas pretendemos nos revezar durante a noite – respondi na mesma voz cochichada.
– Eles estão armados?
– Não!
– Então arme-os!
Ela me virou as costas e não viu a pedra de gelo que parecia me correr pela espinha. Comuniquei o fato aos líderes e implorei que ninguém se sentisse autorizado a fazer nenhuma bobagem. Eu cheguei a temer pela minha família. Fui em casa e reforcei as trancas de portas e janelas, única proteção que a casa conhecida por todos tinha.
Como previsto, ganhamos a eleição com uma margem folgada. O que aconteceu depois? O prefeito que elegemos me virou as costas, começou a não me ouvir até finalmente proibir os funcionários de manter qualquer contato comercial comigo. Foi tão sério o caso, que abandonei a cidade. Hoje, quando vejo as pessoas brigando por política, não consigo parar de pensar na música: “Esses moços, pobres moços, se eles soubesse o que sei…”