4 de outubro de 2024

Eleições legislativas e o presidencialismo de coalizão

As eleições para as presidências do Congresso Nacional – Câmara dos Deputados e Senado Federal – foram sacramentadas na noite de anteontem, dia 01 de fevereiro, em Brasília. Arthur Lima (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) foram eleitos respectivamente com o apoio declarado do Palácio do Planalto. 

Incendiada pelos noticiários, a disputa disse pouco sobre as propostas dos principais candidatos, mas disse muito e explicitou, de uma vez por todas, a guerra entre o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia e o presidente da República Jair Bolsonaro.

A busca pelo controle das casas – especialmente, da Câmara dos Deputados – e a escolha de um presidente leal, chancelado pelo Palácio do Planalto, poderia definir o futuro do presidente da República. Afinal, o processo de impeachment, uma vez iniciado na câmara baixa, poderia comprometer todo esquema de poder que saiu vitorioso nas urnas em 2018.

As circunstâncias que asseguraram a vitória de Arthur Lira, na visão de muitas pessoas, foram ilegítimas, pois houve um forte ativismo e interferência de Jair Bolsonaro no processo sucessório. Membros da oposição o acusaram de ingerência no parlamento, uma vez que estimulou políticas fisiológicas, como a liberação de emendas do orçamento para parlamentares que se comprometessem em votar no deputado Lira e, num nível mais elevado, promover uma reforma ministerial para acomodar interesses dos deputados do centrão.

Certamente tais medidas foram tomadas e isto é um instrumento constitucional amplamente usado no presidencialismo de coalizão.

No presidencialismo de coalizão brasileiro, o chefe do Executivo tem forte poder de controle do bolo orçamentário. É a partir da alocação (leia-se, liberação estratégica e direcionada) de recursos do orçamento para partidos, blocos ou parlamentares que o presidente consegue ordenar uma base parlamentar alinhada aos seus interesses.

No melhor estudo acerca do assunto, Política orçamentária no presidencialismo de coalizão, os cientistas políticos Argelina Figueiredo e Fernando Limongi são categóricos: “mostramos que o Poder Executivo, de forma semelhante ao que ocorre no processo de aprovação de sua agenda legislativa, conta com prerrogativas para influir no processo orçamentário que o capacitam a estabelecer e manter suas prioridades de políticas públicas. Sua atuação é também pautada por ampla margem de liberdade na fase de execução orçamentária, o que o coloca em situação privilegiada para implementar os programas governamentais que integram sua agenda política”.

Vale dizer, ainda nas palavras dos cientistas políticos, que “isso não quer dizer que o Congresso seja irrelevante. Os poderes do Executivo não excluem, ainda que limitem, a influência do Congresso nas escolhas orçamentárias

Há um velho ditado sobre a política brasileira que diz: o político brasileiro é orientado pela benemerência mendicante, pois “é dando que se recebe”, em referência à célebre oração de São Francisco de Assis.

De fato, a Constituição de 1988 amalgamou um regime político único e delegou ao Poder Executivo uma pujante caixa de ferramentas capaz de arregimentar o legislativo e debelar crises de paralisia decisória. O texto constitucional manteve a estrutura semipresidencial, em que o legislativo exerce robusto protagonismo em matéria de controle das políticas públicas e fiscalização dos outros poderes; e o presidente, por sua vez, concentra poderes de agenda proativos (indicação ministerial, orçamento, políticas públicas etc.) e reativos (veto total e parcial).

Em um sistema multipartidário altamente fragmentado – resultado da representação proporcional com lista aberta e das coligações eleitorais (já extintas) – que manufatura um multiplicador exponencial para o número efetivo de partidos, a tropa presidencial pode remodelar a sua base parlamentar de tempos e tempos, tendo em vista e acima de tudo a aprovação de projetos legislativos de seu interesse.

As vitórias de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco demonstraram, uma vez mais, a dominância do presidente nas decisões na arena legislativa. Os defeitos do legislativo brasileiro – imperativos paroquiais da política local, dependência orçamentária, fragmentação partidária – e as suas qualidades – colégio de líderes, bancadas, blocos parlamentares e regimento interno centralizado na Mesa Diretora – fazem com que o jogo multinível da interação Executivo-Legislativo seja uma característica marcante da política brasileira.

Se ontem, Bolsonaro estava com a corda no pescoço e sob ameaça de sofrer um processo de impeachment, hoje certamente ele dorme mais confiante. O deslocamento para o centro, a flexibilidade na distribuição orçamentária, a ofertar de cargos ministeriais para aliados e a redução da dramaticidade ideológica, deram as condições objetivas para o triunfo do presidente na eleição das duas casas legislativas. Ele ativou o modo sobrevivência e funcionou: livrou-se de um adversário e tentará agora criar uma relação amistosa com os novos presidentes das casas legislativas. É pagar para ver.

Bolsonaro é um presidente de pouca virtù, mas um homem de muita fortuna.

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

Veja também

Pesquisar