3 de novembro de 2024

Economia sustentável e participação indígena na Amazônia (Parte final)

As fórmulas econômicas vigentes não conseguem aprisionar o protagonismo indígena. 

Falta-lhes um preço justo aos seus territórios, saberes e coletividade.

O caso do guaraná relatado no Programa Visão JCAM pela representante Samela da Associação de Mulheres Indígenas Sateré-Mawé é significativo. “A França tem um contrato com a Associação pagando preço justo”, mas, a maior parte da produção regional em Maués é comprada por atravessadores em atenção às multinacionais de refrigerantes.

Faço uma correção a pedido da Geóloga Cisnea na parte 1 deste artigo. O Programa Municipal de Aproveitamento Mineral do Alto Rio Negro de São Gabriel da Cachoeira (PARMARN) nasceu em 2018, respeitando o uso cultural dos recursos minerais, a partir da lapidação, produção de biojoias e desenvolvimento do geoturismo. 

O protagonismo indígena no território do Alto Rio Negro não é fortuito. 

Nas palavras do Prof. Dr. Carlos Augusto, “o rio Negro é cheio de rochas e essas rochas estão cheias dessa identidade dos povos que ali vivem há mais de 7 mil anos… eles transformaram essas rochas numa ‘bioeconomia’ desenhada… as rochas são uma forma de comunicação por meio de linguagens de sinais, cheios de significados”. 

Uma indústria em São Gabriel da Cachoeira baseada nestes saberes é um canal sustentável, defende o antropólogo. Para tanto, é preciso buscar a efetiva articulação entre a tecnologia do conhecimento tradicional e científico. Tal cartilha precisa ser seguida.

Entre os desafios econômicos, os entrevistados apontam a falta de uma educação financeira que permita aos indígenas gerenciar seus recursos. 

Cisnea revela que, no Alto Rio Negro, há muitas associações, bons projetos e se consegue captar recursos de financiamento, mas, “não conseguimos gerir esses recursos… ao empreendedorismo indígena é preciso investir em educação financeira”.

Aponta também a necessidade de um olhar de territorialidade às políticas públicas, onde ao se conhecer o território, evita-se que a Amazônia se torne um “cemitério de projetos”.

Há também as barreiras logísticas e de comunicação. 

Os rios são as estradas da Amazônia, mas, há períodos que as águas se tornam escassas, dificultando, ou até isolando o acesso às comunidades”, rebate o pesquisador Carlos Augusto.

E a diversidade de casos é enorme. 

Temos povos indígenas isolados (sem qualquer contato com homem branco) vivendo em territórios localizados num raio de 100 km da cidade de Manaus, Capital do Amazonas (região de Guaporé/rio Branco). E grandes populações, como em São Gabriel da Cachoeira, sem sinal, ou com péssimo acesso à internet, comunidades em sedes municipais que vivem em condições ‘remotas’, onde o velho rádio ainda guarda o seu papel estratégico no compartilhamento do conhecimento.

Considerado o papel da educação como política econômica de valorização da cultura imaterial, conclui o professor, “há de se investir de forma sistêmica nos canais de comunicação, em redes… de forma a compreender o conceito de riqueza dos povos indígenas: a água, a floresta, o seu território”.

Uma boa lição apreendida do Programa Visão JCAM, nesta edição de abril, foi a de combater quaisquer tentativas de enquadrar os indígenas que de fato levam a sério os valores e identidade enquanto povos originários e que têm seu próprio entendimento evolutivo.

A noção de integrá-los, ao invés de se buscar meio de interagir com eles, é uma forma de matá-los no discurso genocida vigente e, assim, apagar de nós as verdadeiras raízes.

Uma opção de culinária indígena em Manaus.

Uma boa oportunidade de você conhecer os encantos da culinária indígena é visitar o restaurante aberto no Centro de Manaus, desde novembro de 2020, pela empresária Clarinda Maria Ramos, representante indígena do Povo Sateré-Mawé da região do rio Andirá, município de Barreirinha.

Na identidade empresarial indígena, restaurante é denominado Cozinha Indígena.

A cozinha indígena funciona na Rua Bernardo Ramos, 97, oferecendo neste momento, dois pratos típicos de dois povos: um, Tukano (Alto Rio Negro), a ‘quinhampira’ (peixe cozido na pimenta fabricada na cozinha com tucupi preto); e outro, da culinária Sateré-Mawé. 

Se der água na boca ao ler, aconselho fazer logo sua reserva em função das atuais restrições da pandemia, através do telefone (92) 98832-8408.

Daniel Nava

Pesquisador Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Amazônia do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA, Analista Ambiental e Gerente de Recursos Hídricos do IPAAM

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