Conta-se que num determinado ano o ministro da Economia ligou para o governador do Amazonas e perguntou se já poderiam tratar da eliminação gradual dos incentivos fiscais da Zona Franca, conforme haviam agendado tempos atrás.
O governador disse que ainda não era o momento por que a infraestrutura para atender o Polo Industrial ainda não era adequada em razão de que: (1) a BR-319 era precária e ainda tinha um vão de mais de 10 km cortado pelo rio Amazonas ao sair de Manaus, o que dificultava o trânsito mesmo se fosse asfaltada (queriam reinaugurar a estrada utilizando ainda o arcaico e ineficiente sistema de balsas), e também (2) havia problemas para a construção de novos portos privados, (3) dificuldades com licenças ambientais, (4) pessoal insuficiente em órgãos do governo federal para agilizar desembaraços de mercadorias, (5) dificuldades com a Infraero, (6) muita burocracia fiscal generalizada e (7) passagens aéreas muito caras, entre outras questões.
O ministro concordou e combinaram então um novo contato para depois que este quadro mudasse.
Passado algum tempo, o ministro ligou para o governador e perguntou se já seria o momento de voltarem a tratar do assunto, já que o pessoal dos órgãos públicos foi amplamente reforçado e os processos fluíam rapidamente, concluíram o programa de desburocratização com sucesso, foi construído mais um aeroporto além do Eduardo Gomes e a Infraero privatizou todos eles e estavam funcionando muito bem; o preço das passagens aéreas para a região diminuiu em cerca de 40%, a BR-319 não só foi asfaltada mas duplicada de Manaus a Porto Velho, e foi construída a ponte ligando o Careiro a Manaus tornando a estrada, agora sim, completa.
O governador, demonstrando inevitável contentamento, concordou, e o ministro providenciou as mudanças.
No dia seguinte ao dia da retirada dos incentivos fiscais, o Dnit-AM, que administra as rodovias federais da região, ligou para Brasília pedindo reforço de pessoal para ajudar no escoamento de um contingente de veículos nunca visto na BR-319, em direção a Porto Velho. As balsas pelo Rio Madeira saindo de Manaus também estavam com uma movimentação enorme.
O ministro da Economia ligou para o governador para saber o que houve, e quem atendeu foi o mordomo, porque o governador estava no congestionamento gigante na BR-319 junto com seus secretários.
Segundo o mordomo relatou, depois de um anúncio de que “caíram os tais dos incentivos fiscais”, todos os caminhões, carretas, balsas, caminhonetes, vans e ônibus, entre outros, estavam carregados de gente, equipamentos e mercadorias das indústrias do PIM.
Conseguiram localizar um representante do PIM, que explicou ao ministro que o motivo foi a eliminação dos incentivos fiscais.
-Mas como? A BR-319 foi duplicada e asfaltada, toda a infraestrutura e os órgãos foram reforçados e ampliados, a burocracia quase desapareceu e há até um novo aeroporto!, falou o ministro, e continuou:
-Caravanas de parlamentares do Amazonas estavam sempre em Brasília pedindo para que não eliminássemos os incentivos fiscais porque as condições de infraestrutura do PIM não eram suficientes para manter seu funcionamento! E agora?
-Sim ministro, respondeu o representante.
-É que na situação que havia antes, mesmo sem BR 319 que nem era uma estrada completa porque nem ligava Manaus ao Careiro, com um só aeroporto, sem ponte, sem novos portos, com uma burocracia excessiva e com as passagens aéreas muito caras, como o senhor sabe, o PIM bateu seu recorde de faturamento com US$ 41 bilhões em 2014, produziu mais de 1,5 milhão de motocicletas e Manaus teve o maior crescimento demográfico entre todas as cidades brasileiras nos últimos 40 anos, portanto, sem nenhum problema com a conhecida e velha demagogia que se usava sobre o “direito de ir e vir”, e o Amazonas teve recordes de arrecadação tributária. As empresas até pontuavam estes problemas (e em que lugar do mundo não pontuam?) mas não deixavam de operar e havia sempre novos projetos sendo aprovados.
E concluiu:
Para retomar os investimentos privados e reverter a situação, as empresas alegam que sem os incentivos fiscais não é viável, mas se eles voltarem…
-E o novo aeroporto e a BR-319?, perguntou o ministro.
-Não vão atrapalhar, disseram – até porque nunca fizeram falta para atingir os recordes de até então; mas sem os incentivos fiscais…
-E as novas matrizes econômicas?, quis saber o ministro.
-Já estavam em andamento, ministro, mas as que tinham incentivos fiscais…As que permaneceram têm resultados previstos para daqui a 30 anos e não se sabe quanto.
Será esta a história da ZFM?
* (Publicado no Portal “AmazoniaAgora” em 28 de fevereiro/2021, 54° aniversário de criação da ZFM, sob o titulo ”Os incentivos fiscais não são a muleta da Zona Franca de Manaus, mas o seu próprio chão”. O texto é uma ficção para reflexão sobre uma das visões possíveis ; os dados do PIM e os demográficos, entretanto, são reais.)
Por Juarez Baldoino da Costa – Amazonólogo, MSc em Sociedade e Cultura da Amazônia – UFAM, Economista, Professor de Pós- Graduação e Consultor de empresas especializado em ZFM.