14 de outubro de 2024

Direito de Privacidade & Aborto

Roe v Wade  – Dobbs v Jackson

Klara Castanho v Sociedade

No ultimo dia 24 de junho, a Suprema Corte dos EUA em decisão histórica na  julgar o caso Dobbs v Jackson revisou dois de seus mais controversos pronunciamentos: Roe v Wade e Planned Parenthood v Casey, ambos tratando do direito da mulher de determinar o encerramento de gestação, noutros termos do direito ao aborto.  

Roe v Wade foi um dos mais acalorados e debatidos casos que a Suprema Corte já se deparou, inciou com a discussão da constitucionalidade de uma Lei do Texas que, a semelhança de outros Estados, proibia o aborto, ressalvado a circunstância de indicação médica para salvar a vida da gestante. Em 1973 Roe uma futura mãe solteira, tentou encerrar sua gravidez e para isso ajuizou uma ação levantando o argumento da inconstitucionalidade da Lei Texana, questão esta que chegou a Suprema Corte.  

Roe venceu o caso, o entendimento da Corte foi o de que a Constituição dos EUA permite que a mulher decida por si mesma encerrar ou não sua gravidez, deixando a cargo dos Estados a autonomia para editar leis que regulassem o procedimento a fim de salvaguardar a vida da mãe além de observar os protocolos médicos adequados. Somente quando o feto se torna viável fora do útero, disse a Corte, os Estados podem proibir abortos, exceto para os casos de salvar a vida da gestante. 

Para este Julgamento a Suprema Corte baseou sua lógica em precedentes sobre o “Direito de Privacidade” defendido na Constituição, agora extendido para alcançar também o significado de “decisão da mulher sobre seu próprio corpo, a terminar ou não a gravidez”.

Em 1992 no caso Planned Parenthood v Casey a Suprema Corte reafirmou seu entendimento exposto no caso Roe sinalizando contudo aceitar certas restrições ao direito da mulher de abortar sem que isto siginificasse um “fardo”pesado demais para o exercício deste direito.

A Recente decisão de Dobbs v Jackson reverteu estes entendimentos no sentido de atribuir competência aos Estados para legislar acerca da proibição ou não do aborto, assim como em 1972 Estados agora poderão criar leis proibindo ou aceitando a prática do aborto, retirando ou não o direito de privacidade e escolha da mulher sobre seu corpo.

Fim do ato, mudam-se os personagens, na mais recente contriversia sobre este tema a atriz Klara Castanho revelou ter gestado uma criança após ser estuprada e a entregou a adoção, revelação feita em carta aberta publicada nas redes sociais.

Segundo relatos, imediatamente após isto começou a enxurrada de opiiniões acerca do ocorrido, até se descobrir que o fato somente foi exteriorizado à imprensa após uma profissional do staff do hospital em que o parto ocorreu ter “vazado”a informação sobre o nascimento e posterior adoção.

Violando não somente o direito de privacidade da paciente como também seu próprio código de ética, a enfermeira agiu em quebra da total confiança que permeia as relações entre pacientes e profissionais de saúde, trazendo ainda mais dor a uma situação bastante difícil vivido pela paciente.

Nesta altura dos acontecimentos o leitor poderá perguntar, mas e o que tem a ver ambas as situações,  o caso da decisão da Corte Suprema dos EUA e o evento Klara Castanho? Responde o articulista, tudo, ambos os casos são emblemticos, dentre outros, em se verificar o quão difícil é nos dias atuais em ser mulher.

De um lado, retira-se potencialmente a liberdade de escolha da mulher e transfere-se para o Estado, fazendo com que uma decisão deveras importante, em um momento muitas vezes de grande fragilidade e carga emocional altíssima seja agora também agravada pela decisão estatal de permitir ou não o término precoce da gravidez.

Adicione-se a isto as consequencias inesperadas e esperadas, o turismo de aborto para Estados com legislação mais flexivel, o aumento de casos de aborto em clínicas clandestinas, o aumento do custo do sistema de saúde para lidar com tudo isto.

De outro lado, tem-se aqui em terras brasilis que em situações tais em que a mulher exerce validamente o seu direito de escolha tem que lidar com a quebra de confiança e vilipêndio de seu direito de privacidade ao ter exposta não somente a sua condição mas toda via cruces que levou ao deslinde pela adoção.

Sem falar nos direitos de de privacidade de terceiros ou não se cogita que esta criança ficará marcada como sendo “o(a) filho(a) deixado pela Klara Castanho” durante toda a sua existência.

Constituições foram e são feitas para serem cumpridas e tanto a brasileira expressamente, quanto a estadunidense por via da interpretação da Suprema Corte garatem o necessário resguardo do direito de todos e nos casos aqui retratados da mulher à vida íntima, à privacidade a ter a liberdade de sua conscência defendida.

Certamente a decisão do caso Dobbs v Jackson será objeto de muita discussão jurídica e brevemente também política com Estados e a União debatendo projetos de lei para modificar ou manter este entendimento.

De nosso lado da América precisamos ainda muito caminhar para evoluir como sociedade no sentido de salvaguardar o Direitos das Mulheres em não ser molestadas, em ter seu corpo resguardado, suas escolhas respeitadas e, nos caos extremos de violência, serem tratadas de maneira adequada sem a preocupação ou no mínimo sem o temor de ter sua vida devassada por violação de sua privacidade.

Até que este dia chegue permaneçamos avançando juntos para deixar as meninas de hoje, mulheres de amanhã, uma sociedade em que tais preocupações só sejam encontradas em livros de história. É isso.

Anderson F. Fonseca. Professor de Direito Constitucional. Advogado. Especialista em Comércio Exterior e ZFM

Anderson Fonseca

Professor de Direito Constitucional. Advogado. Especialista em Comércio Exterior e ZFM

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