Uma cena comum em Manaus é a presença de crianças e adolescentes pedindo “moedinhas” ou vendendo alguns produtos nos sinais. Em dezembro essa situação se intensifica com mais crianças circulando entre os carros, na expectativa de que o “espirito natalino” dos motoristas faça as “doações” aumentarem. Até mães circulam com seus filhos pedindo ajuda para a realização do aniversário da criança, que parece não ocorrer nunca.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em dados divulgados no ano de 2016, havia 2,4 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho no Brasil. Essa informação tem relação direta com as crianças que estão em situação de “rua”, perambulando pelas vias urbanas da cidade pedindo esmolas ou vendendo produtos nos sinais com a justificativa de estarem ajudando a família sobreviver.
Outros estudos apresentam informações que deveriam nos deixar indignados ou pelo menos nos causar inquietação. A Organização não governamental Visão Mundial apontou a existência de 70 mil crianças em situação de rua em todos o Brasil no ano de 2019. Em maio deste ano a Fundação Projeto Travessia apresentou resultado de pesquisa feita com amostragem e cruzamentos de dados de 17 cidades com mais de 1 milhão de habitantes, apontando que 86% das crianças e adolescentes em situação de rua no Brasil são negras, 85% sofreram algum tipo de violência e 74% afirmaram terem feito uso de drogas. O estudo da Fundação Projeto Travessia foi feito nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, São Luís, São Gonçalo, Brasília, Salvador, Fortaleza, Manaus, Curitiba, Recife, Belém, Goiânia, Guarulhos, Campinas e Maceió.
O Decreto nº 6.481/2008 que trata das Piores Formas de Trabalho Infantil determina que crianças em atividades laborais nas ruas estão expostas à violência, drogas, assédio sexual e tráfico de pessoas, exposição à radiação solar, chuva e frio, além acidentes de trânsito como atropelamento. O normativo apresenta uma lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (TIP), com classificação adotada por vários países, inclusive o Brasil, para atividades que oferecem mais riscos à saúde e ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, inclusive de morte.
Segundo o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), com dados colhidos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), entre 2007 e 2019, no Brasil, 279 crianças e adolescentes de 5 a 17 anos morreram e 27.924 sofreram acidentes graves enquanto trabalhavam. No mesmo período, 46.507 meninos e meninas tiveram algum tipo de agravo de saúde em função do trabalho. Os dados que confirma o quanto o trabalho precoce é nocivo ao desenvolvimento integral, à saúde e ao direito à vida.
Cabe dizer que muitas crianças em situação de rua não estão trabalhando, algumas ficam pedindo. Muitas não frequentam escola e todas estão expostas às mazelas sociais de uma forma direta, sem filtros, conhecendo o mundo da pior forma possível e sem nenhuma esperança de melhoria em sua condição de vida. As moedas recolhidas são a forma de ‘esperança’ que essas crianças vislumbram até o momento em que viram adolescentes, se não morrerem antes, e passam a ser discriminados pelas mesmas pessoas que financiaram sua vivência nos sinais. De uma pobre criança para um vagabundo que fica pedindo nos sinais. Muitos irão dizer “por que um cabra forte desse não procura um trabalho?”
A emola é o que mantém várias crianças nos sinais e essa estadia na realidade das ruas pode levar a outros caminhos bem piores. Qualquer pessoa carente não precisa de esmolas, ela precisa de justiça social, baseada em políticas públicas que tratem de uma distribuição de renda mais justa, creches e escolas públicas e ações de inclusão social. Precisamos e devemos cobrar nossos governantes para olharem na direção desse Brasil dos necessitados.
A solidariedade não se mede pela quantidade de moedas que você dá nos sinais, mas por sua postura como cidadão consciente de seus direitos e deveres, com a capacidade de se colocar no lugar do outro e entender as necessidades do próximo. Não são todos que têm as mesmas oportunidades na vida, a desigualdade social no nosso país deixa isso bem claro e negar isso chega a ser leviano.
Neste mês de dezembro a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc) do Governo do Estado do Amazonas está promovendo ações de conscientização da campanha “A sua moedinha me prende aqui”, em semáforos de trânsito situados nas zonas sul, centro-sul e leste de Manaus. O objetivo da campanha é sensibilizar a população sobre a prática de dar esmola, que contribui para a permanência das crianças e adolescentes nas ruas, favorecendo sua vulnerabilidade social e a situação de exploração de trabalho infantil.
Se você quer ajudar alguém que está em situação de rua não dê esmola, existem outras alternativas mais eficazes. Em vez de dar emola você pode contribuir com os fundos da criança e do adolescente de seu município, do seu Estado. A Receita Federal do Brasil tem a campanha ‘Destinação’ que permite você doar parte do seu Imposto de Renda para esses Fundos e você não paga nada mais do que você pagaria e nem afeta o valor que você pode ter a restituir. Com o projeto você pode doar 3% do imposto devido para ajudar as crianças. Essa é somente uma das formas para ajudar, existem inúmeras.
Você também pode ajudar as crianças denunciando casos de violação de direitos das crianças e adolescentes, basta discar 100, da secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Lembre-se que a esmola não é somente aquela moeda dada, mas também a compra de produtos vendidos pelas crianças. Esse suposto “ganho” faz com que a essas crianças permaneçam nas ruas.
As crianças e adolescentes nos sinais não precisam de esmola, precisam de justiça social. A emola só faz bem para o seu ego.