Por Juarez Baldoino da Costa(*)
O Congresso se articulou bem para o prazo da RT – Reforma Tributária, mas é só.
O conteúdo decepciona a maioria dos especialistas e dos setores produtivos do país, numa proporção talvez ainda maior do que a dos 60% necessários para a aprovação da matéria.
A decepção é pela omissão ou pela confusão de temas como “cashback”, Fundo de Desenvolvimento Regional, alíquotas padrão lineares, Hiper Receita Federal, prazo excessivo de transição, ZFM – Zona Franca de Manaus, narrativas frágeis e sem memória de cálculo que justifiquem o alardeado pretenso crescimento do PIB e de empregos, alegações estranhas como declarar que o atual ICMS é cumulativo, quando o § 2º do artigo 155 da CF diz o contrário, repetindo a mesma aberração com o PIS e a COFINS.
É o que se depreende da leitura do relatório preliminar feita em 06/06/23 pelo deputado relator Aguinaldo Ribeiro que não trouxe surpresas em relação ao que vem sendo noticiado há meses, mesmo que ainda não seja o texto base que agora ficou para julho.
Entre as vozes favoráveis está a CNI – Confederação Nacional da Indústria, que ao opinar em nota de 07/06/2023 na qual utilizou termos como “muito positiva”, “merece elogio”, “todos estes benefícios” e “acertadíssimas”, revela um discurso mais político. No aspecto técnico não se aprofundou, e, inexplicavelmente, afronta também o mesmo artigo 155 da CF com a mesma alegação estranha de cunhar de cumulativos os tributos não cumulativos.
O relatório decepciona também porque as mesmas várias questões importantes que não foram respondidas até então continuaram omissas, e o GT que o preparou optou por transferir diversos temas para uma LC – Lei Complementar que ainda não existe.
A alternativa à LC aparenta ser uma desistência de enfrentamento das questões, revelando que faltaram consenso e soluções. Popularmente se diz que foi “transferido o abacaxi para alguém descascar”.
A articulação parlamentar tem tido o poder de aprovar quase qualquer coisa, como registra a história recente do Brasil. Há matérias elogiáveis e de excelência que foram incorporadas à CF e ao conjunto da legislação infraconstitucional pelo Congresso Nacional, mas há também frustações diversas, e esta RT pode se converter numa delas.
Por ser matéria técnica, a ausência de cálculos que demonstrem que não vai haver aumento de carga tributária, por exemplo, uma das principais defesas da proposta, torna a afirmação cientificamente desqualificada para ser aceita nos âmbitos jurídico, econômico e fiscal, não podendo sequer ser admitida para análise de mérito.
A lista ainda continuaria, mas a imprensa em geral já tem publicado material suficiente produzido em dezenas de fóruns que poderia ser coletado e incorporado para enriquecer o debate e entregar ao país um resultado à altura dos anseios da sociedade.
Cunhou-se ainda a frase de que “O Brasil não aguenta mais este sistema tributário”, o que é na verdade mais uma abordagem demagógica, já que este “não aguenta mais” agora repetido, já fora repetido em 2019 no início do governo anterior e nos inícios de todos os governos desde a CF de 1988, e o Brasil aguentou por 35 anos.
A realidade converteu a frase em discurso que ninguém mais acredita.
E se já aguentou por 35 anos, não pode aguentar mais um e produzir uma RT menos controversa, menos injusta, menos burocrática, mais clara e mais efetiva?
É grave alegar que o Brasil precisa de uma RT estruturante, o que é ululantemente óbvio, e ao mesmo tempo apresentar o incompleto e incongruente texto atual como se fosse a solução.
Mais grave ainda é que ao se repetir mil vezes que a proposta é a solução, é até capaz de o plenário do congresso aceitar que é verdade.
O show até agora vendeu ingressos para uma atração que não existe.
(*) Amazonólogo, MSc em Sociedade e Cultura da Amazônia – UFAM, Economista, Professor de Pós-Graduação e Consultor de empresas especializado em ZFM.