14 de outubro de 2024

BRICS+, China e o Brasil no sistema internacional

Breno Rodrigo de Messias Leite*

A 15ª. Cúpula do BRICS em Johanesburgo, na África do Sul, reuniu os líderes políticos do grupo e o enviado russo, o chanceler Sergey Lavrov. A reunião foi o momento mais importante da história grupo desde sua criação, em 2009. O ponto alto da cúpula foi o anúncio da expansão do grupo com a inclusão de seis novos membros. (Ao todo, 23 países pediram para participar do grupo). A nova composição do grupo ratifica a predomínio dos interesses chineses sobre os demais membros e intensifica a presença do BRICS+ em outras partes do mundo, sobretudo no Sul Global.

No começo do século XXI, ao formular o acrônimo, Jim O’Neill, analista financeiro do banco de investimentos do Goldman Sachs, tinha como objetivo entender as mudanças econômicas globais, o cenário de crescimento econômico e protagonismo político dos países emergentes. Nas suas análises e projeções, Brasil, Rússia, Índia e China teriam totais condições de liderar o mundo emergente – à época, o termo em voga era “ascensão do resto” – ao combinarem peso demográfico para os grandes mercados, acumulação de capital e investimentos, e produtividade acelerada. Ou seja, o BRIC, cuja sonoridade remete a palavra brick (tijolo, em inglês), iria pavimentar a economia global do século XXI. A transformação do BRIC em BRICS, com a adição da África do Sul na 3ª. Cúpula em 2011, conclui uma importante etapa na construção do grupo.

O que se viu na Cúpula do BRICS foi um crescimento exponencial do grupo, como um todo, e da China, em particular. A possibilidade de ingresso de Argentina (os dois primeiros colocados nas pesquisas eleitorais anunciaram que declinarão do convite e que não farão parte do grupo), Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã representa um ganho de poder relativo sem precedentes, pois converte o modelo limitado num grande grupo com poder demográfico, econômico e militar. Em outras palavras, a reconfiguração do BRICS direciona o grupo para um projeto político global bem mais ambicioso.

A transição do BRICS geoeconômico (banco de investimentos, comércio e finanças) para um BRICS geopolítico (alianças políticas e diplomáticas) favorece particularmente os interesses de Pequim e Moscou em detrimento dos de Brasília, Nova Déli e Pretória. Tal realinhamento do grupo consolida a liderança chinesa. E já traz um sinal de alerta para os formuladores da diplomacia brasileira, pois duas estratégias globais estão em rota de colisão. Por um lado, a China acelera o seu projeto político-comercial e busca fortalecer-se globalmente contra o seu adversário sistêmico, os EUA. Por outro lado, o Brasil (ao lado de Índia e África do Sul) deseja distanciar-se de qualquer enfrentamento contra os EUA (nosso vizinho hemisférico), pois busca apenas estreitar a cooperação Sul-Sul. Vale dizer, desse modo, que os interesses chineses são verdadeiramente globais, ao passo que os do Brasil, de acordo com as definições da política externa do presidente Lula, até o momento, limitam-se estrategicamente ao Sul Global, notadamente a América do Sul e o Atlântico Sul, as duas zonas do entorno estratégico nacional.   

É inegável que a expansão chinesa dentro do BRICS teve como consequência imediata o decréscimo de poder relativo do Brasil na política internacional. Não podemos esquecer que nações estabelecem alianças provisórias, mas que no fundo devem buscar prioritariamente o seu auto-interesse, o interesse nacional. E é assim que devemos perceber como os interesses nacionais estão sendo colocados na agenda do grupo. No processo de negociação para expansão do BRICS, por exemplo, o Brasil exigiu da China um compromisso formal com a reforma para ampliação do número de cadeiras do Conselho de Segurança da ONU – demanda esta compartilhada com os países do G4 (Brasil, Índia, Alemanha e Japão) e do Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS) – e de outras organizações multilaterais. Assim, resumidamente, o BRICS coloca-se como uma plataforma estratégica para se discutir a reforma do regime internacional como um todo.

A dona da festa, a China, incluiu duas pautas prioritárias para este encontro histórico do BRICS: energia e moeda. A expansão da logística energética foi concretizada com o ingresso dos países árabes e do Irã, ricos em reservas petrolíferas. Para além da segurança energética, o BRICS também possui uma sofisticada rede de produção de alimentos (agricultura, pecuária etc.), isto é, os meios para garantir uma consistente segurança alimentar e nutricional de seus nacionais. A combinação de controle da produção de alimentos e da logística de energia (especialmente, o petróleo) coloca o grupo no topo da hierarquia dos assuntos vitais da política internacional.

Já o tema da moeda está relacionado ao recente processo de desdolarização da economia internacional. Tal processo assume duas características. Por um lado, diz respeito ao conceito chinês de “ascensão pacífica” a qual a nação asiática se compromete em absolver e respeitar as regras e normas estabelecidas no regime internacional do pós-Segunda Guerra, como o FMI, o Banco Mundial, entre outros organismos multilaterais. Por outro, há um desenfreado declínio relativo dos EUA como superpotência militar, política e econômica. A crise causada pela covid-19 e a Guerra na Ucrânia colocaram em xeque a capacidade norte-americana de liderar o sistema internacional.

A reinserção do Brasil na agenda decisória dos grandes temas da política internacional depois de quase uma década ainda é um processo letárgico e cheio de contradições. E a sua posição mediana no BRICS+ explicita ainda mais tais contradições. Críticas à atual gestão da política externa brasileira questionam (corretamente) se as decisões que foram tomadas estavam visando o interesse nacional – o que é desejável – ou são manifestações claras de um antiamericanismo atávico, naïve e encoberto de ideologia? O Brasil estaria deixando de lado os valores democráticos em prol de alianças com regimes autoritários? A cláusula democrática deixou de ser um critério legítimo na tomada de decisão da política externa brasileira? São questionamento que o tempo responderá. Afinal, já dizia Galileu Galilei: “a verdade é filha do tempo, e não da autoridade.” Que assim seja.

*é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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