4 de outubro de 2024

Bolsonaro e a mentira

O discurso inaugural do presidente da República Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da ONU, na semana passada, causou um reboliço geral nas redes sociais.

Em linhas gerais, o discurso presidencial repetiu a coerência estratégica daquele proferido no ano anterior: o uso método da polarização radical em larga escala.

O método Bolsonaro é schmittiano na sua essência. Consiste em dividir a política entre os amigos e os inimigos; tem como mote a valorização exagerada nas relações de pessoalidade e afetividade; e, não menos importante, um apego simbólico ao mito político.

No universo da guerra cultural na qual estamos inseridos, o bolsonarismo mobiliza símbolos que atingem diretamente os seus aliados, bem como seus inimigos. É o “homem cordial” em rede sendo mobilizado por uma eficaz estratégia de comunicação presidencial.

Pois bem, voltado ao discurso inaugural na ONU. Os seus críticos foram taxativos: Bolsonaro mentiu. E que mentiu sistematicamente a respeito do auxílio emergencial, as queimadas na Amazônia e no Pantanal, os números da covid-19 etc.

Até aqui, nada de novo no front. Afinal, críticos fazem críticas e oposição faz oposição. É do jogo. Porém, uma questão ética ficou no ar: um chefe de Estado pode mentir? É lícito mentir para seus nacionais? É possível usar a mentira como arma política nas relações internacionais?

A resposta a estes questionamentos é afirmativa. Sim, políticos usam a mentira como estratégia de dissuasão, persuasão e manipulação. A mentira é um ativo de poder capaz de mobilizar forças e orientar ações. Nunca podemos nos esquecer de uma frase atribuída a Otto von Bismarck, o estadista unificador da Alemanha: “nunca se mente tanto como antes das eleições, durante uma guerra e depois de uma caçada.”

Maquiavel, em “O Príncipe”, chama a atenção para a importância da astúcia no jogo político. Para o filósofo florentino, o político precisa da força de um leão e da inteligência de uma raposa. O poder tem uma lógica interna própria, particular, orientada para a sua manutenção, longe de qualquer bom-mocismo moralista.

Séculos mais tarde, Max Weber avança na discussão ao estipular a ética da convicção e a ética da responsabilidade. A primeira diz respeito a coisas da ciência, isto é, a busca da verdade dos fatos, ao passo que a segunda está relacionada ao poder, às estratégias e a vitória. Em suma, a ética da responsabilidade é uma licença para mentir.

Recentemente, 2011, o cientista político norte-americano John Mearsheimer lançou o mais completo exame sobre o assunto. Em “Por que os líderes mentem: toda a verdade sobre as mentiras na política internacional”, o teórico do realismo ofensivo demonstra como a mentira é fundamental como peça de negociação nas relações internacionais.

A centralidade da tese de Mearsheimer está ideia de que a mentira age em dois níveis. No nível doméstico, líderes mentem com mais regularidade. Em muitas ocasiões, fazem gato- sapato de seus eleitores, pois conseguem atingi-los diretamente com políticas públicas específicas. Vale dizer, conseguem contornar os transtornos causados pelos efeitos mentira. O “rouba, mas faz”, antigo adágio popular, é uma característica inconteste deste fato.

Já no plano internacional, na relação entre estadistas, a mentira tem um sério limite operacional. Neste caso, o uso da mentira como arma política poder ser disfuncional, desagregadora a ponto de isolar um país no sistema internacional. Afinal, a diplomacia constrói pontes com base na lealdade e em acordos mútuos, onde a confiança é determinante.

A mentira é uma razão de Estado e entender esta questão é algum de fundamental importância para nós, os cidadãos. Todos os presidentes mentem até que se prove o contrário.

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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