9 de dezembro de 2024

Antinomias da Cúpula da Amazônia

Breno Rodrigo de Messias Leite*

O encontro dos oito países-membros a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) realizado na cidade de Belém, capital do Pará, nos dias 8 e 9 de agosto, deu mostras de que o Brasil é capaz de liderar o complexo pan-amazônico diante dos desafios sistêmicos da política internacional. Depois de um longo período de retração regional, com o emprego de uma política externa acanhada, o Brasil volta a promover e coordenar encontros internacionais sobre política ambiental global, meio ambiente, desenvolvimento sustentável e florestas tropicais. 

De certa maneira, houve na Cúpula da Amazônia a proposição de uma agenda de trabalho ainda que incipiente, a formação de parcerias estratégicas e a obtenção de resultados tangíveis na convergência da governança multilateral com a participação dos grupos de interesses especiais através da diplomacia civil. De uma ponta a outra, o ganho para a política exterior brasileira foi positivo. 

Nestes meses iniciais de governo é possível observar a ênfase dada ao regionalismo sul-americano nas duas pontas do subcontinente. Das fronteiras do rio da Prata até a fronteira hídrica da Bacia Amazônica, o presidente Lula parece interessado em colocar o Brasil numa posição-chave nas rodadas de negociação dos temas de interesse dos países da região.

Não se trata, obviamente, de um empreendimento hegemônico, expansionista ou imperial. Mas, sim, o perfil para uma liderança regional que enfatize a adoção de acordos recíprocos nas áreas geoeconômicas, geopolíticas e geoestratégicas entre os interesses do Brasil e demais nações sul-americanas. Para além da aposta multilateral, Lula conta com a afinidade ideológica dos presidentes de esquerdas eleitos num amplo processo de renovação da identidade eleitoral no subcontinente.

Os países amazônicos não se reuniam há quinze anos, sendo que nos últimos 45 anos, desde o início do Tratado Amazônico, em 1978, foram realizados apenas quatro encontros dos países signatários. O encontro do início do mês foi pautado pela necessidade de se reposicionar o Brasil e os países da região na agenda ambiental, sobretudo o par clima e biodiversidade para a região amazônica.

O documento final da Cúpula Amazônica é longo e prolixo, mas mesmo assim apontar para alguns consensos possíveis. Em primeiro lugar, os Estados Partes se comprometeram em formar uma Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento. Tal iniciativa possibilitaria cruzar dados e informações sobre desmatamento, queimadas e venda ilegal de madeira, principalmente, nas regiões de fronteiras, onde há pouca ou nenhuma informação a respeito do problema. Em segundo, houve a proposta de criação do Foro das Cidades Amazônicas. Esta é uma iniciativa inédita que incentivará o intercâmbio político e as experiências administrativas no contexto amazônico. Além do mais, a partir deste foro, projeta-se a criação de um Parlamento Amazônico, ou seja, um espaço de representação das comunidades da região. Em terceiro, a construção de um Centro de Cooperação Política Internacional da Amazônia. Na prática, a proposta do centro terá como finalidade otimizar a cooperação política, as instâncias judiciais e a comunidade de inteligência para fiscalizar as atividades ilícitas, os crimes transnacionais e ambientais mais preocupantes.

A participação dos grupos de interesse da sociedade civil, do Diálogo Amazônico e mais próximos das ideias da ministra Marina Silva, também lançaram suas propostas em torno da Conferência Pan-Amazônica pela Bioeconomia. Dos pontos principais, pode-se identificar: 1) Fortalecer a rede de proteção legal das populações indígenas, afrodescendentes e comunidades tradicionais, bem como a sua importância na proteção e serviços no ecossistema. 2) Subsidiar negócios ligados à bioeconomia e outros modelos de desenvolvimento sustentável. 3) Ampliar a rede de governança da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). 4) Reduzir as taxas de desmatamento a partir do rastreamento da cadeia de valor das commodities. 5) Criar meios de financiamento à bioeconomia, fundos para apoiar o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação das capacidades produtivas locais. 6) Melhorar a rede de cidades amazônicas e transformá-las em referências no desenvolvimento de bioeconomia.

De acordo com a nota do Ministério das Relações Exteriores, a Declaração de Belém, um modelo de responsabilidade compartilhada, “estabelece uma nova agenda comum de cooperação regional em favor do desenvolvimento sustentável da Amazônia, que concilie proteção do bioma e da bacia hidrográfica, inclusão social, fomento de ciência, tecnologia e inovação, estímulo à economia local e valorização dos povos indígenas e comunidades locais e tradicionais e seus conhecimentos ancestrais.”

O discurso de encerramento explicitou as antinomias da Cúpula da Amazônia. Ao tomar a palavra, o presidente da República falou para dois públicos diametralmente opostos. Para o público doméstico, enfatizou a necessidade de se defender o desenvolvimento sustentável, mas sem esquecer o desenvolvimento econômico e a exploração dos recursos naturais, sobretudo as reservas petrolíferas descobertas na foz do Amapá.

Por outro lado, o presidente direcionou uma dura crítica à forma como a agenda ambiental está colocada nas relações internacionais. Falou da necessidade de se desenvolver a Amazônia, uma das regiões mais pobre do país. Afirmou ainda que vivemos sob um “neocolonialismo verde”, que compromete a soberania do Brasil e dos demais países amazônicos. E que “não há sustentabilidade ambiental sem justiça”, num claro e incisivo recado às grandes potências que hoje controlam toda a agenda ambiental.

O discurso aparentemente contraditório tem método. Por um lado, visa distanciar o governo de qualquer amarra ideológica sobre meio ambiental – afinal, Lula é historicamente um desenvolvimentista. Por outro, tem por objetivo reposicionar o Brasil nas grandes arenas internacionais depois de uma longa temporada de isolamento. O Brasil é parte constitutiva da agenda ambiental internacional e, por isso, não pode ficar refém das circunstâncias e das imposições estrangeiras. No mundo político, antinomias, ambiguidades e ambivalências garantem ao estadista capacidade de manobrar e decidir sem grandes embaraços.

*é cientista político

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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