14 de novembro de 2024

Amazonas, o que seria de ti?

Imaginar cenários é uma forma de identificar o que não mais queremos e, além disso, clarear a paisagem socioecônomica, ambiental e bonita que queremos ver construída. Tempo, oportunidade e recursos que desapareceram e deixamos escapar. O que poderíamos ter feito com tantas oportunidades e facilidades que o destino nos legou?  É deprimente defrontar-nos com tesouros dilapidados à nossa frente. A economia da borracha e da Zona Franca de Manaus são apenas dois exemplos. Como seria esta terra se a riqueza aqui gerada fosse usada com gestão competente e comprometida com as necessidades dos cidadãos?

Homens dignos e fardados 

Vamos avaliar os acertos e desacertos da ZFM, o mais acertado programa de desenvolvimento regional criado e implantado por homens dignos e fardados. Não é à toa que as Forças Armadas são a Instituição mais respeitada pela população deste mundo amazônico sem fim.  Pois bem… a partir dos anos 90, quando os militares voltaram aos quartéis, nossa economia crescia, em média, 15% ao ano, a superar, comparativamente, a geração de riqueza do Ciclo Áureo da borracha. Batemos todos os recordes de arrecadação. E o que fizemos com tanto recurso? Do ponto de vista urbano, humano e sócioeconômico, passados 53 anos, praticamente nada de relevante aconteceu. Vimos uma elite reduzida e insaciável desfrutar, de modo obscuro e impune, o esplendor dessa herança que a História nos propiciou. Os IDHs lastimáveis de nossa terra dizem tudo.  

Já fomos a Paris dos Trópicos 

Ao olhar o passado, identificamos uma paisagem de muita riqueza. Até o início do século XX, em nossa região, girava um orçamento em torno de 20 milhões de libras esterlinas. Numa estimativa proporcional de atualização monetária, isso representava menos que a arrecadação de R$ 11 bilhões, recolhida apenas pelo Amazonas em três anos. Em 1912, quando entrou no mercado a borracha produzida por plantio racional e extensivo, nos domínios asiáticos da Inglaterra, fomos à  bancarrota.  Quem saísse de carruagem pelas ruas de Manaus, até então, entenderia por que a Cidade Sorriso, como foi chamada mais tarde, era conhecida e tratada como a Paris dos Trópicos.

Deixamos a oportunidade ir 

Não podemos mistificar esse período, porque há registro de um deplorável padrão de saneamento. Mas podemos responsabilizar os gestores de então, que não atentaram para a necessidade de construir uma estrutura local e regional de beneficiamento e industrialização da borracha. Dos cofres públicos, por mais de uma década, saíram os recursos para sustento da vida parlamentar, ou seja, do Congresso Nacional do Brasil. Fomos escalados para sufocar Antônio Conselheiro na Batalha de Canudos. As forças militares do Amazonas, em função da riqueza, eram imbatíveis. Devemos a um militar, negro e maranhense, chamado Eduardo Gonçalves Ribeiro, a herança arquitetônica sintetizada pelo Teatro Amazonas. 

Saúde e educação, para quê? 

E o Amazonas? O que teria sido do Amazonas se tivéssemos sabido aproveitar – a favor da sociedade – tantos ciclos de riqueza, tanto da seringueira e castanheira, entre outras espécies do extrativismo, quanto do programa de desenvolvimento Zona Franca de Manaus? Não teríamos apenas a primeira Universidade pública do país, inaugurada em 1906, a Universidade Livre de Manaus. Teríamos parcerias acadêmicas internacionais para transformar nossa imensurável biodiversidade em prosperidade local, regional e nacional/continental. Mas não foi assim! Foi exatamente ao contrário. Nossos igarapés exalam o mau cheiro da negligência e da irresponsabilidade na gestão dos recursos públicos. Nosso transporte é humilhação inaceitável para o cidadão, que, historicamente, só é lembrado durante as temporadas eleitorais, assim como nossos inquéritos policiais são apinhados de governantes e empreiteiros que roubam os recursos da saúde e da educação. 

Perdemos a capacidade de indignação 

Se não temos sistema de esgoto, falta-nos qualidade de vida, sobra corrupção, falta-nos capacidade de indignação e repulsa. Há 20 anos, compradores revezam-se na competição de quem ganha mais e devolve menos quem aqui vive. Nosso sistema de ensino público é miserável, nossa periferia é pura desolação e imoralidade sem tamanho. Nossos políticos e governantes, com poucas exceções, passam os seus mandatos gastando fortunas para se livrarem da prisão, embora nem assim deixem de “meter a mão” nos cofres públicos. Não é precário apenas o sistema de transporte. Tudo é precário na paisagem urbana que não queremos mais. Em novembro, haverá eleições e não podemos entregar as chaves da gestão pública, novamente, a aventureiros despreparados em todos os sentidos. Temos de exigir, daqui por diante, governos comprometidos com a causa pública e com a administração transparente. 

Urge transformar o portal de transparência no uso dos recursos públicos no aplicativo mais baixado pelo celular do cidadão. Precisamos saber aonde vai cada centavo arrecadado e quais benefícios foram devolvidos a favor da sociedade. Chega de ficar distante da gestão de tanto dinheiro que esta terra arrecada e desperdiça por não fiscalizar e deixar roubar… Voltaremos.

Gina Moraes

é advogada, presidente da Comissão da Zona Franca de Manaus da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional Amazonas

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