8 de outubro de 2024

Amazonas: inépcia administrativa e pressão do setor produtivo

Divulgação

O governo do Amazonas enfrenta, junto com outros estados da federação, a maior tragédia da história da saúde pública brasileira. A chegada do novo coronavírus no Amazonas mostrou que a falta de políticas de saúde e de coordenação estratégica na infraestrutura de saúde pública e suplementar deram as condições necessárias para a propagação do vírus e, consequentemente, o elevado número de mortes.

O Amazonas possui algumas especificidades que devem ser levadas em consideração na avaliação das políticas de infraestrutura da saúde. O estado tem o maior território do país com uma das menores densidades demográficas — o que potencializa os entraves logísticos —, concentra uma diversidade ambiental e ecológica sem paralelos e possui a maior população indígena do país. Em suma, é um estado que traz em sua identidade todos os imperativos da realidade amazônica.

A capital, Manaus, concentra mais de 50% da população do Amazonas, sendo que a região metropolitana de Manaus é responsável por 93,8% da produção econômica do estado. Esse disparate econômico foi gerado pelo modelo de desenvolvimento regional implantado ainda no período do regime militar. Criada em 1967, a Zona Franca de Manaus — hoje, Polo Industrial de Manaus — institucionalizou um modelo de desenvolvimento econômico que conjuga a concentração urbana com a industrial.

As estratégias do governo do Amazonas para o enfrentamento da covid-19 foram desenvolvidas e executadas por meio de um Plano de Contingência criado no início de fevereiro.

Segundo a Secretaria de Saúde, o plano passaria por três fases. A primeira, também chamada de Respostas Rápidas, teve início em uma oficina com os secretários interioranos para a elaboração dos planos de contingência dos municípios. O encontro contou com a participação de municípios da região metropolitana e adjacentes, como Autazes, Careiro da Várzea, Careiro Castanho, Iranduba, Itacoatiara, Manacapuru, Rio Preto da Eva e Presidente Figueiredo.

Segundo o então secretário de Saúde do estado Rodrigo Tobias, “é muito importante também que os municípios façam seus planos com base no do estado, e também órgãos de controle, ou seja, todo e qualquer setor, seja no âmbito público, seja no âmbito privado, toda e qualquer ação que previna a transmissão dessa doença vai ter impacto positivo no sentido de requerer cada vez menos os serviços de saúde”.

Já a Fase de Atuação pressupõe a identificação de pacientes acometidos pelo vírus; o registro da transmissão local, tendo em vista a necessidade de se mapear e monitorar toda a cadeia epidemiológica; e, na última etapa, a propagação sem controle do vírus (transmissão comunitária) e a necessidade de focar o atendimento nos casos mais graves de manifestação da doença. Entre as ações desenvolvidas estão a capacitação dos profissionais de saúde, aquisição de medicamentos e equipamentos, bem como a ampliação de leitos e hospitais de campanha.

Vale notar que as autoridades de saúde do Amazonas foram relapsas e não tomaram as medidas sanitárias mais restritivas no seu devido tempo — logo no início da ocorrência de casos no Brasil —, o que facilitou a circulação em larga escala do vírus, especialmente na capital.

De todas as dificuldades enfrentadas pelas autoridades de saúde do estado e município pode-se destacar, primeiramente, a pouca quantidade de leitos/pacientes e de equipamentos para o atendimento aos acometidos pela covid-19, evidenciando a sensibilidade da infraestrutura do sistema de saúde pública. Em segundo lugar, houve uma verdadeira queda de braços entre os interesses sanitários e a atividade produtiva, considerando a elevada concentração da produção econômica do estado em Manaus. Outro ponto agravante foi a baixa adesão da população às medidas de isolamento social propostas pelas autoridades sanitárias do estado e do município.

O colapso da infraestrutura da saúde pública no Amazonas se deve, possivelmente, à combinação explosiva da inépcia administrativa e da pressão do setor produtivo, concentrado na capital e ligado às principais cadeias produtivas dos países asiáticos (Coreia do Sul, Japão e China). Paralisar totalmente a atividade produtiva da cidade de Manaus (setor industrial) por causa da crise sanitária implicaria em sacrificar toda a economia do estado. A orientação permissiva das autoridades sanitárias quanto ao isolamento social facilitou a propagação do vírus e a elevação exponencial do número de mortes.

P.S.: Este ensaio foi escrito originalmente para a edição especial “Como os governos estaduais lidam com a pandemia” do Nexo Jornal em parceria com a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP). O estudo de abrangência nacional contou com a participação de cientistas políticos de todos os estados da federação. A análise sobre a situação do Amazonas é de minha autoria e reproduzo aqui na minha coluna de hoje.    

*Breno Rodrigo de Messias Leite é cientista político

Fonte: Breno Rodrigo

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

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