Bosco Jackmonth*
Os médicos, por sua vez contam mais do que meramente com a sorte. Ainda que a ciência tenha uma dívida enorme com acasos felizes, não se trata simplesmente de jogar diferentes substâncias químicas num tubo de ensaio na esperança que daí saia um novo medicamento.
Ano após ano, os médicos acumulam mais e melhores conhecimentos que utilizam para conceber e projetar medicamentos e tratamentos eficazes. Em consequência, embora não se tenha dúvida de que em 2050 vamos ter de enfrentar germes muito mais resistentes, a medicina naquele ano estará capacitada a lidar com eles com mais eficiência do que hoje.
Sucede, em 2015 os médicos anunciaram a descoberta de um tipo novo de antibiótico – a teixobactina –, ao qual as bactérias ainda não tem resistência. Acreditam alguns estudiosos que a teixobactina pode ser um aliado na luta contra germes super-resistentes.
Os cientistas também estão desenvolvendo novos e revolucionários tratamentos, que funcionam de modo radicalmente diferente de quaisquer outros que os precederam.
Por exemplo, alguns laboratórios de pesquisa já trabalham com nanorrobôs, que um dia poderão navegar em sua corrente sanguínea, identificar doenças e eliminar patógenos e células cancerosas.
Microrganismos podem ter 4 bilhões de anos de experiência acumulada lutando contra inimigos orgânicos, mas sua experiência é nula no combate a predadores biônicos – portanto, será duplamente difícil desenvolver defesas eficazes contra eles, que, a propósito, já figuram no atual noticiário, a varíola do macaco.
Logo, mesmo sem a certeza de que algum surto de um novo Ebola, outro do gênero, ou uma linhagem desconhecida de gripe não possa assolar o mundo e matar milhões, não vamos considerar que se trata de uma calamidade natural inevitável. Ao contrário, vejamos nisso uma indesculpável falha humana e peçamos as cabeças dos responsáveis.
Deu-se que no verão de 2014, durante algumas semanas terríveis, pareceu que o Ebola estava levando a melhor sobre as autoridades encarregadas da saúde global. Foi quando se criaram apressadamente comitês de investigação.
Assim, um relatório inicial publicado em 18 de outubro de 2014 criticava a OMS por ter reagido de maneira insatisfatória à eclosão do vírus; a culpa pela epidemia recaiu sobre a corrupção e a ineficiência de ramo africano dessa agência de saúde.
Mais críticas foram dirigidas à comunidade internacional como um todo por não ter reagido com rapidez e energia suficientes.
Essas críticas partem da premissa de que a humanidade dispõe do conhecimento e dos instrumentos de prevenção; se mesmo assim uma epidemia sai de controle, isso se deve mais à incompetência do que à ira divina.
Da mesma forma, o fato de que a aids continuou a infectar e mata milhões na África subsaariana anos após os médicos terem compreendido seus mecanismos é corretamente considerado um resultado de falhas humanas e não de um destino cruel.
Então, na luta contra calamidades naturais como a aids e o Ebola, a balança pende em favor da humanidade. Mas, e quanto aos perigos inerentes à natureza humana? A biotecnologia nos capacita a derrotar bactérias e vírus, porém simultaneamente faz com que os próprios seres humanos se tornem uma ameaça sem precedentes.
As mesmas ferramentas que capacitam médicos a identificar e curar rapidamente doenças novas podem também capacitar exércitos e terroristas a arquitetar doenças ainda mais terríveis e patógenos apocalípticos.
Portanto, as grandes academias vão continuar a pôr a humanidade em perigo no futuro se, e somente se, a própria humanidade as criar, a serviço de alguma ideologia brutal. A era na qual humanidade se via impotente diante de epidemias naturais provavelmente chegou ao fim. Mas ainda poderemos ter saudades dela. (Continua).
É advogado de empresas (OAB/AM 436). Ex-funcionário do Banco do Brasil, designado como Fiscal Cambial junto a agências bancárias locais. Cursou Comunicação Social/Jornalismo, Contabilidade e lecionou História.