11 de dezembro de 2024

A utilização da inteligência artificial na relação tributária: desafios e oportunidades para contribuintes e administração

Não é novidade que um dos maiores problemas da tributação brasileira é a complexidade das regras de incidência tributária. Atualmente as administrações fazendárias, de uma maneira geral, não esclarecem a legislação ao contribuinte, não mantém posicionamentos sobre interpretações normativas e maximizam o interesse arrecadatório. Os contribuintes, por seu lado, pagam tributo por medo da punição e, desta vez, a maximização é de lucros, escondendo relações econômicas para que não sejam gravadas pela incidência de tributos. Vivencia-se, então, um ambiente essencialmente punitivo, marcado pela manutenção da cultura da sanção.
Neste contexto, questão que vem à tona é sobre em quais procedimentos a Inteligência Artificial poderá ser (ou já é) utilizada para transformar e desonerar a relação firmada entre fiscos e contribuintes em torno da incidência do tributo. Pelos órgãos fiscais, a necessidade seria no sentido de aumentar a eficiência na fiscalização pela identificação de fraudes, evasão fiscal e outras irregularidades. Já pelo lado dos contribuintes, a utilização deve objetivar a prevenção de inconsistências e irregularidades no cumprimento de obrigações tributárias, além da identificação de atividades cuja incidência tributária pode ser menos onerosa. Em suma, o ponto de inflexão é o que traduz uma possível influência, sim, da IA no compliance tributário, ou seja, na busca pela harmonização da relação fisco e contribuintes, já que a manutenção do ambiente atual – punitivo e de rejeição às normas impositivas – não interessa a nenhuma das partes por importar custos altíssimos.
Entende-se por “compliance tributário”, a adequação dos contribuintes às normas tributárias qualificada pela voluntariedade, com o objetivo de reduzir custos com fiscalização, aumentar a confiança da sociedade nas autoridades administrativas, e incrementar a arrecadação pela maior disposição dos contribuintes em contribuir. Mas, nada adianta a sociedade motivada a contribuir, se as normas não permitem a compreensão do sistema. Ao contribuinte deve ser garantido o conhecimento e a segurança das normas de incidência, com esclarecimentos necessários e com colaboração do fisco. Um fisco responsivo, previsível e colaborativo, que busca o bem comum, induz um contribuinte mais transparente, interessado, confiante nas autoridades administrativas, e colaborativo. Aqui reside a consciência ativa dos contribuintes sobre a função do tributo na relação Estado-sociedade (consciência fiscal), de onde parte a atuação conjunta para o bem comum, com vistas a construir um ambiente harmonioso e colaborativo, no lugar do contexto punitivo vivenciado hoje pela cultura da sanção.
E é justamente nesta transformação que a IA pode se configurar como peça-chave da mudança. Segundo a Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN), hoje mais de R$ 1 trilhão são discutidos em processos administrativos e judiciais. São valores que importam tanto para a Administração quanto para os contribuintes, mas que não satisfazem a nenhum dos lados estagnados meio às discussões. Neste ponto a implementação da IA pela administração tributária pode detectar previamente inconformidades de forma mais eficaz e disparar alertas para os contribuintes antes da fiscalização ser iniciada, prevenindo litígios. Neste sentido, a percepção de um sistema de fiscalização mais robusto e justo pode atuar como um incentivo para que as empresas adotem práticas de compliance tributário voluntário, evitando, de sua parte, litígios desnecessários e custos associados a defesas tributárias.
Mesmo sem aplicação imediata descrita na legislação, a Reforma Tributária trazida pela EC n. 132/2023 preparou o campo para o uso de IA como ferramenta de fiscalização e de apoio a decisões administrativas que visam aumentar a eficiência e transparência do novo modelo tributário. A previsão de uma Plataforma de Arrecadação Digital (automatização de cruzamento de dados e detecção automática de inconsistências) e de utilização de Assistentes Virtuais em massa, para prestar informações personalizadas sobre novas regras e prazos e resposta a dúvidas frequentes, são exemplos desta investida. Outras iniciativas como monitoramento de transações comerciais através da análise de grandes volumes de dados fiscais (big data); maior integração entre as esferas de governo pelo cruzamento de informações, e insights estratégicos para a formulação de políticas fiscais mais eficazes quanto ao esclarecimento dos contribuintes, são exemplos de atuação da IA na busca pela harmonização do sistema.
A IA pode, da mesma forma, corroborar com os contribuintes para adoção de práticas de conformidade voluntária. Empresas implementam sistemas de compliance tributário automatizado, garantindo a precisão no cálculo e no pagamento de tributos e mitigando erros quanto ao cumprimento das obrigações fiscais, reduzindo, enfim, o risco de autuações e multas. O monitoramento preventivo, através de ferramentas de IA pode auxiliar na detecção precoce de inconformidades fiscais, permitindo que as empresas ajustem suas práticas voluntariamente antes de serem fiscalizadas. Isso promove um comportamento proativo de adesão voluntária às normas tributárias, alinhado com os princípios de compliance.
Mas é certo também que a utilização de IA na relação jurídico-tributária ressente-se de legalidade e controle de dados. Discussões sobre os possíveis riscos para os contribuintes, incluindo preocupações com a privacidade e segurança jurídica, transparência e razoabilidade, devem ser levadas a experimentação pública para garantir a efetivação de princípios da Administração e a proteção da pessoa humana (direito privado). A IA é inevitável, é atual e está em quase tudo que faz parte do cotidiano, mas a ética e a responsabilidade corporativa e estatal devem andar juntas para a construção de um ambiente harmônico e colaborativo, em que se desenvolverá o compliance tributário em sua completude.

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.

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