Daniel Borges Nava*
*Geólogo, Analista Ambiental, Professor Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade na Amazônia e Pesquisador do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA.
Estive pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) em operação de fiscalização no Sul do Amazonas, municípios de Humaitá, Canutama, Manicoré e Boca do Acre. As experiências vividas nestas duas semanas me formataram a triste realidade: um território, hoje, abandonado pelas políticas públicas estadual e federal.
Como participei pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) da construção do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) da região, conheço bem suas potencialidades, particularmente, nos setores primário e mineral. Em minha experiência como superintendente da CPRM, no primeiro Governo Lula, participei das atividades de criação das unidades de conservação e de extensão mineral que levou, numa parceria com o Governo Eduardo Braga, o licenciamento ambiental do extrativismo mineral familiar realizado por pequenas balsas no rio Madeira. Era um tempo em que o Amazonas e o Governo Federal tinham uma política ambiental em harmonia, baseado em Ciência e Tecnologia.
Em contraponto ao atual discurso para inglês ver, guardo saudades do tempo em que o papel do Estado era o de orientar “como fazer”, ao invés da repressão vigente, com bombas e destruição dos flutuantes daqueles que buscam produzir ouro no rio Madeira, uma atividade de grande dimensão social local.
Nossa missão do IPAAM integrou atividades das Gerências de Recursos Hídricos, de Pesca e de Fiscalização, dentro da fase 2024 da Operação Tamoiotatá. A presença do controle ambiental no Sul do Amazonas teve como um dos resultados, a aplicação de R$ 14 milhões em multas sobre crimes ambientais evidenciados, mérito da atividade de fiscalização.
Mas, e o licenciamento e o monitoramento ambientais?
A partir de reuniões que conduzimos com produtores rurais, piscicultores, representantes do IDAM, do INCRA, professores dos cursos de Agronomia e Engenharia Ambiental da UFAM e do curso técnico em piscicultura do IFAM Humaitá foi possível identificar a falta de governança socioambiental na região de fronteira do Amazonas, o que fragiliza o licenciamento ambiental e a sustentabilidade da economia local.
Tanto as instituições federais como as estaduais locais sofrem pela falta de recursos humanos e orçamentos pífios. O exemplo do IPAAM, sem orçamento necessário, operando o Centro Multifuncional em Humaitá com um único técnico, com o seu Centro Funcional em Boca do Acre fechado, tendo que atender demandas de toda a região limite com os estados de Rondônia, Acre e Mato Grosso, reflete a presente e ineficaz política ambiental praticada pelo Governo do Amazonas.
O caso da piscicultura é emblemático. Além dos desafios de regularização fundiária do INCRA e Prefeituras, fundamentais no licenciamento através do Cadastro Ambiental Rural – CAR, e de assistência técnica oferecidos pelos poucos técnicos do IDAM, a região do Sul do Amazonas, que já foi reconhecida como polo amazonense de produção de pescado, recebendo incentivos estaduais em maquinários, alevinos, financiamento, hoje, amarga a falta de competitividade e a insegurança patrimonial: a ração que chega de Rondônia é tributada, e o pescado importado do mesmo estado lindeiro é isento; os constantes roubos da produção local nos tanques demonstram a fragilidade e a vulnerabilidade de uma “terra sem Lei”, causadas pela insipiente presença do Estado.
É triste ver o Estado brasileiro e o Amazonas perderem a batalha ambiental para forasteiros e para grilagem. A realidade do Distrito de Realidade, localizado na BR-319, nos limites dos municípios de Humaitá, Manicoré e Tapauá mostra bem o cenário deste descaso. As invasões e desmatamentos crescem descontroladamente. São respeitadas, apenas, até agora, as áreas institucionais pertencentes ao Exército brasileiro. Nestes termos, me parece oportuno rever, dentro da avaliação estratégica regional, o papel de defesa das Forças Armadas e seus batalhões locais, diante da necessária consolidação de governança no Sul do Amazonas, com adequado controle ambiental do território.
Por oportuno, viajamos por 12 horas pela BR-319 desde Manaus até Humaitá, indo e vindo. Mesmo com o esforço dos investimentos do Departamento Nacional de Infraestrutura – DNIT na manutenção da estrada, percebe-se a importância sine qua non da pavimentação da rodovia consoante ao próprio fortalecimento do controle ambiental do Sul do Estado. Com nossos recursos concentrados na Capital, chegar a Humaitá com 5 horas a menos, pode fazer a diferença no combate à incêndios, desmatamentos, entre outros crimes ambientais.
Foram dias de muito aprendizado, nos quase 3.500km percorridos. Pensar o Sul do Amazonas sem um diálogo com os estados de Rondônia, Acre e Mato Grosso é uma política iniqua. Uma governança federativa em rede permitiria reagir com inteligência aos desafios logísticos da Amazônia, especialmente numa região de fronteira tão vulnerável aos crimes ambientais.
Discutir a Avaliação Ambiental Estratégica para os arranjos produtivos locais passa também pelo esforço dos Governos estaduais e federal em defender/priorizar a causa fundiária dentro dos instrumentos legais e tecnologias socioambientais disponíveis. Uma economia forte só se sustenta com a visão de soberania pelo Estado do seu território.
Ressalta-se que, embora frágeis, as instituições e suas estruturas existem. Falta dotá-las de orçamento, recursos humanos, tecnologia, gestão pública e política, portanto, urge institucionalizar governança socioambiental.
Foi bom elaborar pelo IPAAM em conjunto com a UFAM, IFAM, UEA, IDAM, INCRA, uma rede de colaboração em prol do fortalecimento do controle ambiental na região. Já está marcado, para o segundo semestre de 2024, um curso de capacitação oferecido pelo IPAAM em Humaitá para as atividades de Cadastro Ambiental Rural (CAR) e Licenciamento e Outorga do Uso de Recursos Hídricos, apoiado pela Prefeitura.
A partir da experiência exitosa da parceria entre IPAAM e o Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA no monitoramento ambiental do rio Madeira pelo barco Roberto dos Santos Vieira, estamos elaborando com os cursos da UEA, UFAM e IFAM uma proposta de consolidação de Central Analítica em Humaitá, capaz de avaliar a qualidade ambiental das águas, ar e solos na região, demanda hoje, dependente de laboratórios especializados em Porto Velho. Já há o comprometimento na próxima passagem do barco-pesquisa por Humaitá, da promoção de programação de pesquisa e extensão atendendo ao pedido manifesto pelos centros acadêmicos e professores da UEA, UFAM e IFAM.
Diante da vazante que se projeta na hidrovia do Madeira, não se sabe se haverá calado para a próxima viagem ainda em 2024. Neste tema, presenciei os efeitos dramáticos da cota dos rios Acre (em Rio Branco) e do Madeira (em Humaitá, na passagem da balsa da Rodovia Transamazônica), onde, esta última já exige ações de dragagem pelo DNIT. Além do intenso cuidado com o controle ambiental, a realidade do Sul do Amazonas demanda, ainda, respeito às mudanças do clima. O monitoramento hidrometeorológico do rio Madeira, com usos conflitantes na geração de energia e transporte de mercadorias, deve ser priorizado, sob pena do colapso logístico e isolamento de comunidades ribeirinhas e sedes municipais.