A pandemia do COVID-19 trouxe muitas necessidades de mudanças nas nossas rotinas profissionais, o que se refletiu praticamente em todos os modelos de negócios.
De forma certa ou errada, mudanças trabalhistas foram realizadas, em meio a uma situação na qual não se sabia com exatidão quais seriam as consequências à saúde pública. Uma das mais difíceis decisões foi o isolamento social, que alavancou a adoção do trabalho em regime de home office.
Honestamente, prefiro trabalhar de casa, evitando a perda de tempo nos deslocamentos urbanos para as mais variadas tarefas. Entretanto, há quem prefira o modo antigo, muito em função da falta de adaptabilidade ao novo ambiente laboral.
Diante disso, muitos empregadores vêm otimizando, com sucesso, as suas necessidades de espaço, reduzindo os seus escritórios ao estritamente necessário, fomentando as reuniões e treinamentos virtuais e repassando ajudas de custos aos seus colaboradores para que tenham um ambiente de trabalho adequado à cada necessidade.
Esse caminho não será diferente para a Administração Pública que, diante de tamanha retração econômica, necessita urgentemente reduzir gastos e melhorar significativamente a eficiência das instituições. Casos como o do Banco do Brasil, que entregou 19 (dezenove) imóveis alugados durante a pandemia, como amplamente divulgado na mídia em julho de 2020, serão cada vez mais normais no contexto administrativo. Essa significativa redução de uso de espaços físicos em favor do teletrabalho proporcionará uma economia de R$ 1,7 bilhões em 12 (doze) anos, feito significativo para aquela entidade da administração indireta.
Diante desse cenário, cabe questionar a verdadeira necessidade da permanência das modalidades presenciais de licitações públicas na nossa legislação.
Tal formato de realização de sessões públicas advém de um distante passado, desprovido de recursos tecnológicos que suportassem a atividade das comissões de licitação.
De maneira similar ao Decreto-Lei nº 2300/1986, em 1993 entrou em vigor a Lei nº 8.666, que previa 5 (cinco) modalidades licitatórias, todas presenciais: convite, tomada de preços, concorrência, leilão e concurso. É isso mesmo: o modus operandi das licitações presenciais nos remete ao ano de 1986!
Já em 2000, em meio à reforma administrativa do Estado capitaneada por Bresser Pereira, instituiu-se o Pregão como nova modalidade licitatória (Medida Provisória nº 2026). Ainda que muito criticada à época, foi convertida em lei em 2002 (Lei nº 10.520), já prevendo o uso de recursos de tecnologia da informação (internet, basicamente), ainda que pouco adequada e disponível.
Mais tarde, em 2005, com o advento do Decreto Federal nº 5450 e já se dispondo de infraestrutura mais adequada no país, o Pregão Eletrônico tornou-se uma realidade e proporcionou significativos avanços administrativos.
Entretanto, esta última modalidade foi desenvolvida para a contratação de bens e serviços comuns (de fácil descrição), mas não para bens de elevada complexidade técnica, obras e serviços de engenharia, por exemplo.
O rol de possibilidades de utilização do Pregão aumentou com o tempo, sendo até mesmo possível o seu uso em licitações para a cessão de uso de imóveis públicos. Pode-se verificar, como exemplo, a forma como a INFRAERO escolhe os ocupantes das lojas dos aeroportos nacionais. A diferença, agora, é que o tipo de licitação usada é o maior preço, em detrimento da menor oferta, de forma similar ao leilão. Discussões à parte, o pregão do tipo maior preço não é previsto normativamente, mas aceito pela jurisprudência do Tribunal de Contas da União – TCU.
Há algum tempo, a Corte Federal de Contas reconheceu que também seria possível o uso do Pregão para a contratação de serviços comuns de engenharia, o que se concretizou pela aprovação da Súmula nº 257.
Em 2011, a necessidade de melhores institutos jurídicos e processos administrativos para a contratação de obras de infraestrutura para utilização nos grandes jogos esportivos sediados pelo Brasil importou na aprovação do Regime Diferenciado de Contratações – RDC, nova modalidade que já previu também a possibilidade de sua realização no formato eletrônico. A partir desse momento, bens considerados complexos e grandes obras já poderiam ser disputados com o auxílio da internet, de forma similar ao Pregão Eletrônico.
Paralelamente, observou-se que determinados entes federativos já adotaram providências legais para a transmissão ao vivo de licitações em formato presencial, vide Lei nº 16.814/2018 da cidade de São Paulo.
Então, em meio à necessidade de redução de gastos com a estrutura administrativa pública, aumento da competitividade para a redução dos preços e a possibilidade de se licitar TUDO em formato eletrônico, com todos os seus benefícios, principalmente os relacionados à transparência, qual seria a vantagem de se continuar o uso de uma licitação presencial?
A resposta é simples: não há!
Não é viável em si a manutenção de tantas modalidades licitatórias no formato presencial, pois somente atrapalham as licitantes com tantas regras focadas em controle que impedem a simplificação dos processos administrativos.
Mesmo que se mantenham o convite, a tomada de preços e a concorrência, não há mais motivo para que elas sejam presenciais, tendo-se em vista que os Portais de Compras já admitem o envio de documentos (habilitação e proposta) antes mesmo da abertura da sessão pública, como se pode depreender com a última grande atualização a que passou o Comprasnet. Mesmo antes disso, outros sistemas já estavam adaptados a essa realidade, como o Licitações-e, do Banco do Brasil.
Além de mais cômodo para as licitantes e gerar menos despesas (que não serão repassadas na proposta) a forma eletrônica já amplia significativamente a transparência dessas licitações, que em regra não tem os seus documentos disponibilizados na internet (Portal da Transparência), possibilitando inclusive o acompanhamento em tempo real pelos órgãos de controle interno e externo.
Nesse sentido, não se observam motivos justos e perfeitos para o prosseguimento das licitações presenciais no nosso ordenamento jurídico.