Uma das mais importantes experiências profissionais que vivi foi a participação no Seminário sobre o Projeto de Lei nº 1.610/1996 – discutindo a regulamentação da exploração e o aproveitamento de recursos minerais em Terras Indígenas, ocorrido em 10 de maio de 2012, no auditório do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM), de São Gabriel da Cachoeira (AM).
Eram tempos menos panfletários, onde o legislativo federal construía com as comunidades locais os debates e acordos necessários aos temas conflituosos, entre eles, o da mineração em Terras Indígenas (TI).
O seminário foi uma iniciativa dos deputados federais Padre Ton e Édio Lopes (presidente e relator da Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 1610/1996 do Senado Federal), que aprovaram o Requerimento nº 2/11 atendendo uma solicitação da Federação das Organizações Indígenas no Rio Negro (FOIRN).
O evento que começou pela tarde, varou pela noite, até que a última contribuição pudesse ser ouvida. Contou-se a presença de cerca de 400 participantes: indígenas, em sua grande maioria, representantes de 23 etnias do Alto Rio Negro e Rio Xié, Rio Içana e afluentes, Rio Tiquié e afluentes, Alto Rio Uaupés, municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Izabel do Rio Negro e Barcelos; além de representantes empresariais do setor mineral, associações de classe e representantes dos governos federal, estadual e prefeitura local.
Uma coisa me desapontou na reunião, e continua desapontando até hoje: sendo um tema exclusivo do Congresso Nacional, nenhum representante parlamentar amazonense participou daquele debate, apenas dois deputados da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALEAM) compuseram a mesa de abertura (deputada Vera Castelo Branco e deputado Vanderlei Dallas, secretária e ouvidor da ALEAM, à época).
O Amazonas tem áreas indígenas em todos os seus 62 municípios. Dados do último Censo do IBGE (2010) apontavam o nosso Estado com a maior população indígena na Federação, mais de 184 mil habitantes, 129 mil dos quais morando em terras indígenas.
Como pesquisador no tema recursos minerais em terras indígenas, publicamos na Revista Brasileira de Geociências (2009) a presença no Estado de 175 TIs (representativa de 31% da área do Amazonas), ocupadas por 66 diferentes etnias, sendo uma das riquezas naturais desses territórios os recursos minerais.
Causou-me estranheza, e continua estranhando, a distância de nossas representações parlamentares amazonenses das discussões e interesses das populações indígenas, especialmente, àquelas do Alto Rio Negro, que já possuem no histórico de seus debates e contribuições locais, governança e consciência à análise da conservação dos recursos naturais em seus territórios.
Desde 2012, e até hoje, nossos povos indígenas continuam mal representados no Congresso Nacional enquanto seus interesses políticos, especialmente, quanto à garantia de seus direitos territoriais e usufruto do patrimônio natural que respondem.
Há mais de 12 mil anos, segundo registros arqueológicos, nossos ancestrais ameríndios praticam mineração na Amazônia, plantando florestas.
Encontraram em seus saberes e cultura a sustentabilidade econômica do desenvolvimento de uma indústria lítica a base do minério argila (a mesma que faz tijolo e telha), com uma diversidade de ferramentas, inclusive, dominando a biotecnologia, a exemplo do uso de fibras vegetais, para gerar na mistura com o barro a resistência material do produto ao uso no fogo.
Aprendi naquele seminário de 2012, que algumas populações indígenas do Alto Rio Negro querem expandir suas atividades de mineração para outros minérios além das argilas, que já exploram há, pelo menos, 12 milênios: “ao parente ouro”, “ao parente columbita-tantalita” (minérios de nióbio e tântalo), “ao parente ametista”…
Consideram “parentes” os minérios, pois, não praticam uma mineração “do branco”.
Em suas culturas, os povos indígenas pertencem ao território, como as florestas, os rios, a biodiversidade, o solo, o subsolo… Tudo e o todo são uma unidade, uma família e reconhecidos como “sagrado”, portanto, “parentes”.
A experiência de discutir e aprender com os representantes indígenas do Alto Rio Negro que é possível praticar mineração com sustentabilidade, mesmo que de um “modo indígena” de operar, com maior valor de uso do minério e escala de pequeno porte, foi e permanece semelhantemente a proposta de valor econômico de uma recente propaganda comercial de cartão de crédito: “não tem preço!”
A leitura da Ata completa do referido Seminário pode ser feita através do link: https://cetem.gov.br/antigo/images/palestras/2013/sustentabilidade/artigos/alvaro_sampaio.pdf.