O parágrafo segundo do artigo 112 do RICMS/AM diz que a partir da retenção do imposto (ST) incidente sobre farinha de trigo, o pão de QUALQUER TIPO fica considerado tributado nas demais fases de comercialização. Ao mesmo tempo, a Resolução 41 aponta vários tipos de pães sujeitos à cobrança de substituição tributária. Essa dupla taxação implica numa transvariação normativa. Nesse contexto, uma padaria da nossa capital esteve às voltas com pressões da Sefaz sobre alguns dos seus pães. A coisa ganhou escala de modo que a empresa acionou o seu departamento jurídico para aliviar a pressão fazendária.
Fatos dessa natureza pipocam em tudo quanto é empresa local. E o motivo de tanta dor de cabeça reside no extremado desdobramento das classificações fiscais de mercadorias (é o detalhe do detalhe do detalhe…). O paroxismo surreal da burocracia sefariana se revela nos 28 itens da Resolução 41 (do 57 ao 58AZ) que tratam, todos eles, de farinha de trigo. Tem farinha comum, farinha doméstica, farinha especial, farinha com fermento, farinha com purpurina, farinha atomizada, farinha dos ursinhos carinhosos etc., etc. Depois, tem, embalagem até um quilo, abaixo de um quilo, acima de 5 quilos, abaixo de 5 quilos etc., etc. Ou seja, loucura, loucura, loucura… Detalhe crucial: Qualquer classificação errada gera multas astronômicas.
O aspecto mais virulento dessa prática burocrática está no altíssimo nível de subjetividade que impossibilita qualquer padronização de procedimentos fisco tributários. A coisa fica ainda mais perturbadora quando o agente público age de má fé, visando achacar o contribuinte para extorsão de propina ou aumento de arrecadação. Inclusive, muito do dinheiro que abastece o erário estadual é fruto de cobranças indevidas; a receita de cobranças erradas da Sefaz é gigantesca. Existe até um setor especializado nesse assunto.
Assusta-nos o fato do nosso sistema tributário ter mergulhado tão profundamente na abissal escuridão normativa, onde não se consegue enxergar o mais tênue vestígio de racionalidade ou de objetividade. Como resultado dessa cegueira ensandecida, temos meio mundo de gente correndo dum lado pro outro sem saber o que fazer. A Sefaz é a Meca da complexidade normativa que atrai uma massa de peregrinos para a dolorosa via-crúcis tributária. Cada sala é uma estação de lamentações e penitências, onde a crucificação vem na forma de multa por um motivo vago e questionável. Pode-se dizer também que a Sefaz é uma esfinge moderna que vive a devorar todos aqueles que não decifram seus enigmas. Claro, obvio, tantas moléstias só atingem os pequenos contribuintes. As denúncias da operação Lava Jato mostraram como as grandes empresas administram suas demandas junto aos agentes públicos: com muita propina, cooptação e com muitos advogados. Na verdade, os grandes não orientam suas políticas administrativas por normas legais e sim, por artifícios heterodoxos, uma vez que a nossa insegurança jurídica é fatal para os certinhos.
O que o nosso sistema tributário nos diz é que tudo é questionável; tudo é muito elástico. A mensagem que os órgãos fazendários transmitem para os contribuintes é que eles são obrigados a fazer um estudo tributário de todos os produtos comercializados, industrializados ou insumos utilizados na manufatura. Cada um desses estudos envolve um processo com duzentas páginas e cinquenta laudos técnicos, além de trocentos pareceres jurídicos. Parece loucura, mas existem questões absurdamente óbvias que se desdobram numa contenda infinita. O caso da cobrança de ICMS do pão é de uma insanidade sem tamanho. Agora, imagine uma empresa que trabalhe com trinta mil itens. Será que para trabalhar com um mínimo de segurança é preciso elaborar trinta mil estudos tributários? Será?
O senhor Francisco vende um sistema de gestão ultra simplificado para micro empresas. Mesmo enxuto e com pouquíssimas telas de cadastramento, o usuário passa por cima das formalidades, indo direto para o mecanismo de emissão de nota fiscal. Esse contribuinte faz uma salada com a situação fiscal específica das mercadorias. Até porque, muitas vezes, trata-se de uma lojinha onde trabalham somente marido e mulher. As condições desse contribuinte para compreender o universo tributário são nulas. Também, fica claro a inviabilidade para contratação de consultoria especializada. Mas os agentes fazendários não pensam assim quando exigem que todo mundo compreenda uma coisa que ninguém é capaz de decifrar (legislação tributária). Curta e siga @doutorimposto. Outros 445 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br