1 de dezembro de 2024

A escola após a pandemia

Atualmente é impossível dialogar com um colega de profissão sem que a questão da pandemia de Covid-19 em Manaus, no Brasil e no Mundo, não venha à tona. E foi sobre esse assunto o rumo da minha conversação com o filósofo da educação Kelmes Holanda de Souza, Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Professor de Filosofia na Secretaria de Estado de Educação e Qualidade de Ensino do Amazonas (SEDUC-AM), como segue o seu texto na íntegra.

“Quando recebi o convite para esse diálogo fiquei pensando sobre o que escrever e como intitulá-lo. Resolvi parafrasear o título de uma palestra proferida pelo filósofo alemão Theodor Adorno em 1965 e publicada em 1967 intitulada de: “Educação após Auschwitz”, texto bastante atual para os dias de hoje. O difícil é não escaparmos do assunto pandemia e dos debates que se criaram a respeito e, principalmente, de sua polarização e politização para apontar culpados pelo caos que se tornou o Brasil. Desta forma, quero colocar no centro desse debate a escola e seu papel social nesse momento pandêmico e de negacionismo. Por que tantas pessoas negam o óbvio? Que valores foram sustentados, criados e cultivados em nossos estabelecimentos de ensino que instigaram sujeitos tão obcecados por teorias negacionistas?

O que se percebe é que a escola, em sua função de formar sujeitos autônomos e comprometidos com a sociedade, produziu uma geração de pessoas fragilizadas de ideais, de objetivos existenciais capazes de dá significado a sua vida, a do outro e da sociedade. Talvez nos apoiemos na célebre frase de Darcy Ribeiro quando diz que “a crise da educação no Brasil não é crise; é projeto”. Projeto que está começando a colher seus resultados mais nefastos – até o momento – com a postura radical de negar e criar inverdades a respeito de tudo que o país está passando com a Covid-19.  Com a racionalização de dispositivos ideológicos que negam toda e qualquer ação que focaliza a vida ou uma postura positiva a respeito dela e sua preservação.

Não quero com isso provocar uma discussão ideológica e enfatizar o pensamento da extrema direita que assumiu o país como único responsável, como eu disse, é uma geração que foi construída, não surgiu ao apagar das luzes, e que, como um zumbir despertou ao ver o pensamento sombrio da extrema direita florescer. 

Como professor, não vejo que apenas mudanças de metodologias e de incrementação de novas ferramentas resolverá o problema de humanização identificado nesse período pandêmico. Esse projeto de crise só começará a ser desmontado quando a escola e seus atores perceberem a necessidade de mudanças, de transformações no seu modo de existir: não mais enquanto instituição reprodutora de sujeitos domesticados prontos a aceitarem discursos de verdades construídos para a legitimação do poder. Mas como instituição que realmente produza pensamentos críticos, desperte o senso de coletividade pautada numa ética do cuidado e de uma solidariedade racionalizada. 

Quando parafraseei o título desse texto com o de Adorno, foi justamente para focar na missão que a escola terá após a pandemia, qual seja, a de desvelar o que foi historicamente construído como a banalização do mal em tornar-se normal, e problematizar em seu espaço novas formas de sujeitos pautados numa ética do cuidado. E nós, professores, os protagonistas. Se o filósofo alemão evoca a educação a combater todo e qualquer discurso que dê força ao massacre ocorrido em Auschwitz logo na primeira linha do artigo afirmando que “A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação.” Hoje se faz necessário que a escola após a pandemia extrapole seu modo de ver e pensar a educação e o sujeito”. Vamos refletir sobre isto?

Luís Lemos

É filósofo, professor universitário e escritor, autor, entre outras obras, de "Filhos da Quarentena: A esperança de viver novamente", Editora Viseu, 2021.

Veja também

Pesquisar