Neste final de semana me vi revendo a Audiência Pública da Assembleia Legislativa do Amazonas sobre o PL 153/2020, de autoria do Deputado Josué Neto, que dispõe sobre a disciplina da prestação do serviço público de distribuição de gás natural canalizado sob o regime de concessão e sua regulamentação sobre a comercialização de gás natural, incluindo as condições de enquadramento do consumidor livre, autoprodutor e autoimportador no mercado de gás no Estado do Amazonas; revogando a Lei nº3.939/2013 e os Decretos nºs 30.776/2010 e 31.398/2011.
Não é fácil fazer uma discussão técnica, enquanto, na Assembleia Legislativa há um clima de impeachment do Governo do Amazonas. O mercado e os investidores não trabalham no grito, na pressa e/ou na força ditatorial de uma Lei.
As descobertas dos recursos naturais de gás natural na Amazônia foram investimentos de uma decisão política do Estado nacional, não de iniciativas de um mercado petrolífero.
Na década de 1960, o Relatório Lynk nos revelou como atua o pensamento ‘liberal’ de uma empresa petrolífera nacional – as nossas reservas de gás natural no Amazonas só foram viabilizadas 25 anos depois -, os atuais movimentos de desinvestimentos praticados pelo Governo Federal neoliberal do Ministro Guedes, com a venda dos ativos continentais da PETROBRAS na Amazônia e no Nordeste, jogam no limbo das incertezas o histórico contrato social e ambiental das atividades da indústria petrolífera nestes estados federativos.
Nenhuma empresa privada, ou agência reguladora conseguiria viabilizar, com a mesma responsabilidade socioambiental, pactuada e historicamente construída no coração da floresta amazônica, o projeto Urucu e o gasoduto que, vencendo as adversidades da logística amazônica, ligou a área de produção ao principal mercado consumidor de gás natural em Manaus.
Foi mais uma decisão política do Estado nacional.
Se até 2003, sob os auspícios do ideário liberal, o pacto federativo entre Amazonas e Brasília não conseguia viabilizar a conexão entre o insumo industrial e seus demandantes, foi de uma decisão política de relações acordadas – União, PETROBRAS, SUFRAMA e Governo do Amazonas -, que surgiu a possibilidade de construção de um programa de ecodesenvolvimento que permitiu: a prorrogação da Zona Franca de Manaus; a execução de estudos sobre a viabilidade do Polo Gás-químico na Amazônia (com prospectos interessantes às áreas de produção industrial no PIM de metanol, ureia e estirenos/poliestirenos, realizado em 2007 pela SUFRAMA com apoio de economistas da Universidade Federal do Amazonas); e, as discussões da Comissão Especial da ALE-AM, formada por 15 instituições fomentadoras e reguladoras do setor mineral, que ampliaram para além do óleo e gás natural de Urucu, Juruá e Silves, as potencialidades econômicas da geodiversidade do Amazonas.
É oportuno ressaltar que, recentemente, foi uma decisão política do Estado nacional e não de mercado, que trouxe ao crivo da solução de energia ao estado de Roraima, o modus operandi do negócio que viabilizou a exploração das reservas do campo de gás natural de Azulão, na região de Silves e Itapiranga, pela ENEVA.
Ainda não tenho uma opinião formada sobre o PL 153/2020 quanto ao melhor modelo de governança sobre o gás natural no Estado do Amazonas.
Se pudesse recomendar ao presidente da ALE-AM, Deputado Josué Neto, sugeriria duas linhas de atuação: a primeira, seria pela abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para que a Sociedade Amazonense possa avaliar esta primeira década de atuação operacional da Companhia de Gás do Amazonas, construindo, coletivamente, uma matriz FOFA (Fortalezas, Oportunidades, Fraqueza e Ameaças), que possa validar e aprimorar o conteúdo do PL153/2020 em discussão; a segunda, em parceria com o novo Superintendente da SUFRAMA, com o Governo do Estado e com nossos representantes do Congresso Nacional, seria levar, como Amazonenses e Amazônidas, o nosso descontentamento com as atuais políticas de desinvestimento da PETROBRAS nas bacias sedimentares Solimões e Amazonas, ao ministro da Economia, ao presidente da PETROBRAS, ao presidente da Comissão da Amazônia e ao presidente Jair Bolsonaro.
O silêncio das nossas autoridades pode passar a impressão que a decisão da PETROBRAS é algo pacificado e natural no ambiente ‘perfeito e responsável do mercado’.
Acredito que, apesar de sermos poucos, se juntarmos nossos esforços aos demais representantes institucionais e parlamentares de estados federativos do Nordeste, que também sofrem consequências sociais da atual política financista e rentista neoliberal da PETROBRAS, possamos mostrar a força política necessária ao embate contra as desigualdades econômicas regionais, acima do paralelo 7º Sul no Brasil.
Considerando nossa história, não tenho dúvida que o desinvestimento da PETROBRAS no Amazonas trará consequências tão nocivas quanto aos crimes da Vale (2015 e 2019) e da Hydra (2018).
É preciso relembrar o papel da PETROBRAS no protagonismo do desenvolvimento sustentável da Amazônia e entender a Petróleo Brasileiro S.A como instrumento e estrutura nacionais de defesa e establishment à conservação da floresta no continente amazônico, uma história construída pelo trabalho, conhecimento e resiliência da Engenharia e Geologia do Brasil diante do caos e das guerras da indústria petrolífera no mundo.
*Daniel Borges Nava é Geólogo, Analista Ambiental e Professor Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade na Amazônia