9 de dezembro de 2024

A boiada do Salles custou R$ 3 bilhões (Parte 2)

O voto do relator, Deputado Federal Neri Geller, observou, entre suas justificativas: para o Tribunal de Contas da União, o licenciamento “permanece focado na emissão de licenças em detrimento dos reais efeitos ambientais decorrentes dos projetos, ou da efetividade das medidas mitigadoras e de gestão que são adotadas pelos empreendedores”. 

Concordo com o Órgão Controlador, pois, precisamos ampliar a capacidade do Estado brasileiro na fiscalização e monitoramento ambiental. 

Mas, há um equívoco conceitual da defesa do relator em reduzir o atual licenciamento ao “fim em si mesmo, desvinculado do objetivo da preservação ambiental”.

Desconhece o legislador que a Legislação Ambiental vigente conceitua o controle ambiental a partir de três atividades precípuas: o licenciamento, a fiscalização e o monitoramento ambientais, todos praticados pelo Estado através dos entes federais, estaduais e municipais de meio ambiente e de polícia. 

As nossas leis já são claras quanto aos papéis de cada ente no interesse comum do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA à gestão do patrimônio natural brasileiro. 

O princípio da descentralização no Direito Ambiental trouxe a Sociedade para dentro do controle ambiental, permitindo que o Estado interagisse com as populações impactadas. 

Há previsão legal às denúncias de crimes ambientais que podem ser feitas por qualquer cidadão comum (resguardando-se, inclusive, a identidade do denunciante), gerando, ato contínuo, a ação administrativa pública da fiscalização ambiental.

As comunidades locais participam, discutem e contribuem nas audiências públicas, auxiliando o Estado na avaliação de projetos/empreendimentos com porte excepcional e potencial poluidor degradador grande.

Na perspectiva paritária, diversas representações sociais atuam nos Conselhos municipais, estaduais e nacional de Meio Ambiente (CONAMA), construindo normativas e narrativas integradas ao exercício da análise e governança socioambiental… 

Ao defender a necessidade de um novo marco regulatório do licenciamento ambiental – “não há um único setor que se encontre satisfeito com a forma pela qual vem ocorrendo o licenciamento no Brasil” -, o relator parece não compreender o todo, que é ‘controle ambiental’.

Ao defender erroneamente fragmentos, o projeto de lei (PL) aprovado acabará por penalizar a nossa política ambiental como um todo, uma referência mundial que sempre fomos até a chegada do governo Bolsonaro e seu ministro Salles. 

É bom ressaltar que o protagonismo brasileiro está legitimado por uma legislação rígida quanto aos riscos ambientais.

Ao justificar a sua proposta de desregulamentação do licenciamento ambiental, o relator cita um estudo da Universidade de Yale em parceria com a Universidade de Columbia, com dados de 2006 a 2018, que buscava verificar se existia alguma correlação entre a rigidez do arcabouço legal e o efetivo desempenho ambiental dos onze (11) países estudados. Como o Brasil possuía um regime jurídico com maior rigidez, mas, não estava no grupo dos que têm o melhor desempenho, devemos criar normativas ‘menos rígidas’. 

A ‘lógica sallesiana’ e o ‘passamento da boiada’ justificam o PL que pisoteia a história da nossa Política Ambiental brasileira.

É lamentável o que estamos presenciando na pasta do Meio Ambiente desde 2019 em nosso país. 

São sofríveis os valores moral e intelectual de nossas representações parlamentares da Câmara dos Deputados ao aprovarem documento com propósitos tão atrozes ao patrimônio e riqueza natural do Brasil.

Relata o deputado que “nesse contexto, o capital foge do País, os investimentos e obras ficam paralisados e o meio ambiente desprotegidos, agravando a crise que há muito já preocupa os brasileiros e que infelizmente é acentuada pela trágica pandemia”.

Senhor relator e demais deputados que aprovaram o PL, vossas ações corrompem a Legislação Ambiental nacional, legitimam o caos, o apagão e o descontrole ambiental. 

Vossos gestos afugentarão qualquer capital responsável ao Brasil, atraindo, talvez, alguns especulativos, especialmente, aqueles com pouca proteção ao meio ambiente. 

O bom exemplo dos ‘novos tempos sallesianos’ é o registro recente de comércio ilegal de madeira de lei apreendida pelo ‘IBAMA dos EUA’, que a Polícia Federal vem apurando e indiciando o possível envolvimento criminoso de representantes do governo Bolsonaro no caso. 

Será que este será o nosso cenário pós-pandemia brasileiro do ‘Novo Normal Ambiental’? 

As leis já existem, Senhores (as) Legisladores (as)! 

CUMPRI-LAS, É O QUE TODOS ESPERAM: O ESTADO, O MERCADO E A SOCIEDADE!

#SenadoFederalnãoaproveaboiadadoSalles

(Continua) 

Daniel Nava

Pesquisador Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Amazônia do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA, Analista Ambiental e Gerente de Recursos Hídricos do IPAAM

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