15 de outubro de 2024

A ameaça aos brasileiros sem plano de saúde e crianças e jovens que dependem da educação pública

Quando se discutem mudanças em direitos, em políticas e serviços públicos é fundamental que essa discussão seja feita a partir da realidade. Ou seja, é preciso considerar os efeitos dessa discussão na vida de cada uma das pessoas que será afetada por um projeto de lei, por um decreto ou mesmo por uma simples mudança de uma norma que organiza uma política ou um serviço público como, por exemplo, a alteração no horário de funcionamento de uma escola ou posto de saúde. Até mesmo uma mudança simples como essa precisa ser pensada, discutida e colocada em prática somente após avaliados os impactos na vida das pessoas que usam e dependem desses serviços.

Agora, imaginem vocês que o governo quer fazer uma profunda mudança na Constituição Federal que vai alterar completamente o acesso a direitos e as políticas e serviços públicos para a grande maioria das brasileiras e brasileiros. Nesse exato momento, às pressas, em plena pandemia que impede que população participe efetivamente de audiências públicas, de debates e se manifeste, está sendo discutida no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que muda profundamente as regras que determinam o alcance e a importância de políticas e serviços públicos em todo o país.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32 de 2020 foi encaminhada pelo governo federal e, se aprovada, trará muitos impactos para a vida de todas as brasileiras e brasileiros, principalmente, daqueles que mais precisam das políticas e dos serviços públicos. Isso porque entre muitas mudanças, essa PEC permite a privatização de serviços públicos e desobriga a União, Estados e Municípios a fornecer outros serviços que fazem parte do dia a dia de todos nós. 

Mas vocês sabem qual é a real importância dos serviços públicos para à sociedade brasileira? No Brasil, a grande maioria das famílias depende exclusivamente da saúde e da educação públicas, por exemplo. Sem esses serviços, milhões e milhões de cidadãos brasileiros terão suas vidas transformadas e muitos serão jogados na miséria sem nenhuma condição de manter suas famílias seguras e saudáveis. 

Dos mais de 210 milhões brasileiros, pouco menos de 40 milhões tem plano de saúde. Mais de 160 milhões de brasileiras e brasileiros dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS). Mesmo aqueles que pagam planos privados, dependem da saúde pública. Isso porque, os procedimentos mais complexos e que custam mais caro são, em geral, realizados em hospitais públicos ou pagos pelo SUS. Portanto, se a PEC 32 for aprovada como defende o governo, o futuro desses mais de 160 milhões de brasileiras e brasileiros será de incertezas e abandono. 

Na educação a realidade é a mesma. De acordo com o Censo Escolar da Educação Básica de 2020, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) do Ministério da Educação, 47,3 milhões de crianças e jovens estão matriculados em 179,5 mil escolas de educação básica que atendem a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio em todo o país. Do total de estudantes brasileiros da educação básica, 82% estão matriculados na rede pública e são atendidos, principalmente, pelas escolas municipais que recebem quase metade (48,4%) desses alunos. Em 2020, conforme a pesquisa, apenas 18,6% dos estudantes brasileiros estavam matriculados em escolas particulares. Se a PEC for aprovada, esses milhões de estudantes que frequentam as escolas públicas terão seu futuro ameaçado e poderão, até mesmo, perder o direito à educação.

O fato é que a PEC 32 encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional propõe a privatização de serviços públicos e apresenta como solução para milhões e milhões de brasileiros que não tem condições de pagar por planos privados de saúde e escolas particulares a criação de bolsas saúde e bolsa educação. 

Mas, atenção: a proposta encaminhada pelo governo não define regras; não estabelece e nem apresenta garantias para manutenção e correção de valores dessas bolsas; não assegura meios de acesso a essas bolsas; não especifica a quantidade de bolsas que serão distribuídas por famílias; o custo dessa nova política pública e de onde virão os recursos. Ou seja, a PEC acaba com serviços públicos que tem o caráter universal e a obrigação de atender a todos e propõe em seu lugar a distribuição de bolsas sem apresentar nenhuma regra clara. E lembre-se, recentemente, esse mesmo governo, em plena pandeia, cortou e depois reduziu os valores do auxílio emergencial pagos para cidadãos desempregados. Devemos ficar atentos, pois essa PEC não apresenta nenhuma garantia de que os valores dessas bolsas serão suficientes para pagar pela escola e o acesso à saúde de sua família. 

Os chamados vouchers só atendem aos interesses dos políticos e dos empresários que vão lucrar ainda mais com a privatização dos serviços públicos. A troca de serviços públicos universais que atendem a todos e que, precisam sim de melhorias e investimentos, por vales, bolsas, vouchers também é um retrocesso democrático ao permitir que políticos utilizem esses vales como moeda de troca. Viveremos novamente o tempo do voto por cabresto pago com dinheiro público? 

Temos a convicção de que é preciso avançar e melhorar muito as políticas e os serviços públicos. Mas, a PEC 32 não é o caminho para modernizar o serviço público e só traz riscos e prejuízos para todos. Mudanças da dimensão propostas nesse projeto só podem ser feitas ouvindo à sociedade, ouvindo, principalmente, quem mais precisa desses serviços e que, neste momento da pandemia, não tem como participar do debate. 

Moisés Hoyos

Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil

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